Texto por Marco Fialho
O lançamento de um filme da diretora Eliane Caffé (dos renomados Narradores de Javé, Kenoma e Era o Hotel Cambridge) sempre envolve uma expectativa. O seu novo trabalho, Filhos do Mangue talvez seja o seu filme menos empolgante. A ideia não é desinteressante e tão pouco foge da linha de trabalho da diretora. O maior problema do filme, ao meu ver, está na combinação de alguns elementos dramatúrgicos que não dão a liga necessária.
Não é a primeira vez que Eliana Caffé trabalha unindo atores profissionais com personagens vindos de uma determinada realidade. Fez isso com Era o Hotel Cambridge, por exemplo, e o resultado foi dos mais felizes. Em Filhos do Mangue, o componente mais complexo está justamente na escolha de Felipe Camargo como protagonista da trama, que destoa do restante do elenco vindo de uma comunidade que sobrevive dos produtos extraídos do ecossistema de uma região litorânea, que inclui ainda um manguezal.
O roteiro, desenvolvido por Eliane e Luis Alberto de Abreu (seu parceiro habitual) adapta a peça Capitão (2011), de Sérgio Prado, desenha a difícil e atribulada trajetória de Pedro Chão (Felipe Camargo), um homem que surge na praia desfalecido e sem memória. O seu passado é pouco esmiuçado, embora fique evidente que sua imagem não é nada boa para a comunidade que o hostiliza após um misterioso incidente na qual o filme não adentra muito. Mas fica claro o quanto sua figura carrega uma nuvem de corrupção, violência, poder e autoritarismo. Felipe Camargo flutua no enredo, sem conseguir imprimir uma verdade a seu personagem, o que compromete o resultado final do trabalho.
Ainda assim, Filhos do Mangue possui bons momentos ao penetrar na estrutura social de uma comunidade ribeirinha, pois Caffé como sempre faz, consegue extrair do elenco local o máximo de eficiência. Em alguns trechos há um excesso de cenas expositivas, inclusive alguns flashbacks desnecessários que sobrecarregam por demais o desenvolvimento da história.
A discussão sobre a masculinidade tóxica, que está no bojo da trama, fica por demais solta e mal explorada pelo roteiro e pela direção, pois alguns discursos se perdem por serem diretos e reiterativos. A escolha do uso da câmera quase o todo todo na mão soa como uma opção um tanto improvisada, como se ela não soubesse exatamente o que captar em cada cena, dando uma sensação contínua de vertigem.
Apesar do título Filhos do Mangue evocar um protagonismo dos moradores, o que ocorre efetivamente é o acompanhamento do processo de revitalização de Pedro Chão como ser humano. Eliane Caffé ao trabalhar com esse personagem em busca de uma segunda chance, perde a mão por permitir a ele uma redenção, como se fosse possível quem apanhou esquecer e assim perdoar um sujeito agressivo e criminoso. Creio ser simplista essa visão positiva construída como possível para essa trama.
Como Pedro Chão é julgado e condenado pela comunidade, ele é obrigado a vagar solitário pela natureza. Esse contato com o mundo natural funciona como um processo de reeducação e salvação da alma desse homem. Essa ideia não deixa de parecer ingênua, como se um simples contato com a natureza pudesse transformar um criminoso inescrupuloso. Aos poucos a ideia de perda de memória vai se esvaindo, sendo substituída pelo processo de reeducação.
Filhos do Mangue trata de vários temas relativos à realidade local, mas nunca os aprofunda, sem penetrar nas discussões ou propostas imagéticas que tragam uma maior complexidade às questões abordadas. Alguns personagens não saem da superfície, como o do pai de Pedro Chão, que entra e sai de cena sem trazer muito brilho para o enredo. Ao final, a maior dúvida é se o filme é sobre Pedro ou sobre os tais filhos do mangue. Infelizmente, é mais sobre Pedro Chão, enquanto a comunidade e seus problemas estruturais ficam pelo caminho, como meros coadjuvantes da jornada redentora de Pedro Chão.
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