Texto por Marco Fialho
Em Elena (2012) e O Olmo e a Gaivota (2014), a diretora Petra Costa inicia sua jornada no campo cinematográfico com documentários que atritam com o universo ficcional e pessoal, duas fronteiras sempre movediças para quem se aventura partir de algum fato relacionado à vida cotidiana. Depois, a diretora adentrou sua experiência em narrativas que se embrenharam pelo documentário político, como Democracia em Vertigem (2019), e agora com Apocalipse nos Trópicos (2024).
Só que Petra Costa não se contenta em filmar apenas um documentário político. O que ela faz é inserir, como já fez outros filmes anteriores, sua própria voz em off para falar de sua experiência com os personagens e dissertar como vê cada tema e imagem produzida. O efeito prático desse movimento é um acréscimo significativo de subjetividade a embalar fatos mais do que objetivos, mas reconhecidos por todos os brasileiros que vivenciaram os acontecimentos políticos dos últimos 10 anos do país.
De certa maneira, Apocalipse nos Trópicos não deixa de ser um prolongamento de Democracia em Vertigem, já que foi observando a rotina do Congresso Nacional durante as filmagens que Petra resolveu voltar atenção a como os evangélicos cresceram na política brasileira em tão pouco tempo. A escolha de centrar a narrativa em torno do famoso Pastor Silas Malafaia funcionou como um ponto de partida para se desenhar o pensamento de como se pode misturar religião evangélica e política.
As ideias extremadas do pastor se revelam uma leitura do evangelho bem mais política do que religiosa, em especial por incorporar os pressupostos apocalípticos que enquadram a problemática dos costumes e da ideologia como algo demoníaco, elegendo as pautas LGBTQIAPN+, a feminista, o racismo, e as religiões afrobrasileiras como práticas abomináveis e impeditivas para o bom andamento social. Os temas espirituais são reduzidos a uma entrega exacerbada a Jesus, cabendo ao fiel aceitá-lo como salvador de todas as mazelas da vida terrena.
Mas resta saber o quanto Apocalipse nos Trópicos realmente consegue penetrar na alma dessa mistura insólita entre política e religião evangélica e entregar o que promete, pois não resta dúvida o quanto esse tema é central hoje no país, que fica evidente pela simples constatação do crescimento acentuado dessas igrejas por todo o nosso território. Mas o que o filme de Petra mostra é o quanto complexo é compreender ou interpretar esse tema apenas por um viés, aqui pela infiltração na política partidária, afinal, existem outras perspectivas importantes a serem consideradas, sobretudo como essas alianças se dão no próprio cotidiano das populações que aderem facilmente a esse tipo de apelo religioso.
O enfoque na política partidária é até compreensível, ainda mais porque Petra chegou no tema em suas andanças pelo Congresso Nacional quando tratou do golpe de 2016 contra Dilma Rousseff. Inclusive, Apocalipse nos Trópicos adentra nesse emaranhado político pela fresta golpista que vem povoando as mentes da extrema direita brasileira nesses últimos anos, mas creio que o filme de certa maneira se perca justamente nessas teias já pra lá de conhecidas que forjam a política brasileira recente, se esvazia ao bater demais nessa tecla macro e deixando de revelar os meandros mais intimistas desse processo que poderia ser melhor encontrado lá na base da sociedade, já que os palácios políticos apenas são a ponta desse imenso iceberg.
Cabe ainda voltar ao traço distintivo da narrativa empregada por Petra, a sua voz em off, e indagar o quanto ela funciona numa proposta onde as imagens e os depoimentos poderiam criar um estofo factual propício para que o público tirasse suas conclusões. Quando em Elena e O Olmo e a Gaivota esses dispositivos narrativos são empregados os contextos partem de uma atmosfera extremamente pessoal e fruto de uma experiência muito intimista que casou com a proposta adotada. Creio que o mesmo não ocorre no contexto de Apocalipse nos Trópicos e o filme paga um preço pelo desinteresse que a maioria dos comentários da diretora causam no resultado final da obra. Eles se tornam excessivos, tanto que as melhores imagens são quando vemos o silêncio invadir a destruição dos prédios solenes de Brasília naquele fatídico 08 de janeiro de 2023, até que um suposto fanático justifica seus gestos com um discurso de ódio tirado diretamente do evangelho. Nesse momento, os fatos objetivos superam qualquer pretensão de subjetividade pretendida pela direção e revelam o quão frágil é a montagem do filme.
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