Kubrick e os labirintos da perfeição
Texto de Marco Fialho
"Os labirintos de Stanley Kubrick" sinteticamente pode ser definido como um misto de documentário e uma aula. O próprio diretor, Hamilton Rosa Jr., assume a narração de frente às câmeras, dando a cara à tapa e assumindo assim o ritmo narrativo do filme. A tarefa é árdua quando o espectro temático é nada menos do que o cinema de Stanley Kubrick. Mesmo que inicialmente Hamilton fale da vida de Kubrick, a maior parte do filme se dedica a pensar sobre as obras do diretor norte-americano.
Hamilton escolhe privilegiar a lógica cronológica para orientar a narrativa, o que de certa maneira facilita o acompanhamento por parte do espectador, que filme a filme vai seguindo as temáticas e construções imagéticas de Kubrick. Há a todo instante uma paixão explícita de Hamilton em relação ao seu objeto de estudo e talvez essa energia seja o que mais me chamou a atenção nesse documentário. Podemos até dizer que esse doc é a visão de Hamilton sobre o genial cineasta que foi Kubrick. Por isso, lá pelo meio do filme entendemos a escolha de se ter o próprio Hamilton como narrador onipresente.
Hamilton teve a colaboração da família de Kubrick no acesso ao acervo pessoal do diretor, o que nos aproxima a um curioso e inusitado mundo de um diretor excêntrico que apreciava jazz, fotografia e o xadrez, sendo este último marcante na definição da personalidade perfeccionista de Kubrick. O cinema dele realmente lembra uma partida de xadrez quando jogado por um especialista, com olho na estratégia e na atenção ao detalhe. O xadrezista é por natureza um detalhista, um ser devotado ao milimétrico, assim como Kubrick o foi no cinema. Mas podemos dizer que Hamilton se esforça no milimétrico, por também tentar dividir as fases artísticas vividas pelo diretor, que desde os primeiros curtas buscou um estilo até conseguir nos trabalhos de maturidade, em que o estilo já se definiu e se alinhavou. Na maturidade, Kubrick atingiu o ápice como roteirista e como diretor ao realizar planos absolutamente perfeitos, precisos e irretocáveis, verdadeiras aulas de cinema.
O trabalho minucioso de Hamilton, desde a pesquisa até a escolha dos trechos dos filmes, nos permitem lembrar do gênio Kubrick, do quanto este diretor deixou marcado na história a sua marca como diretor. De certa forma, o documentário-aula de Hamilton nos faz ver o quanto Kubrick foi um grande contador de histórias, embora não tenha se restringido a ser só isto. Da mesma forma que os grandes cineastas como Bergman e Fellini, Kubrick também se destacou por conseguir realizar obras profundas e reflexivas, além de preocupadas com o apuro estético dos filmes. Obras como "Laranja mecânica", "O Iluminado", "Nascido para matar", "2001, uma odisseia no espaço", "Glória feita de sangue", "Spartacus", "O grande golpe" e "Barry Lyndon", redefiniram os gêneros na mão de Kubrick, um feito realmente para poucos.
Por mais que o filme de Hamilton se esforce por desvendar nuances das obras de Kubrick, afinal a proposta de Hamilton tem um tom de aula, existe uma consciência de que esse arcabouço kubrickiano sempre terá, assim como a maioria de seus filmes, aspectos a serem ainda destrinchados ou melhor explicados, pois são obras de arte do mais alto calibre e possuem inúmeras leituras possíveis. O mais importante é que saímos de "Os labirintos de Stanley Kubrick" ainda mais fascinados por este diretor tão exigente com o resultado final de suas obras.
O primeiro impulso que temos ao término deste documentário-aula é o de correr até a nossa filmoteca e escolher qualquer um dos presentes cinematográficos deixados pelo genial Kubrick para o nosso deleite. É uma espécie de crime que compensa, um tipo de aventura como um grande golpe, que nos deixa seduzidos a participar dele, mesmo que ao final algo dê errado (apesar de que, se for um filme de Kubrick isso jamais ocorrerá). Mas pode ainda ser um labirinto que nos leva para um baile no passado, em um hotel no meio do nada ou quem sabe para desvendar o mistério de um monolito atemporal, mas que passe ao longe da dúvida inerente ao um mundo distópico e violento. O motivo tanto faz, o que importa é que a nossa vida acabe em um filme, melhor ainda se for um filme de Kubrick.
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