Para não esquecer jamais
Texto de Marco Fialho
"Memória sufocada" trata da articulação entre DOI-CODI e as torturas ocorridas no Brasil durante a ditadura militar nos anos pós AI-5. O filme parte do julgamento do Coronel Ustra durante a Comissão da Verdade e mostra o Governo Bolsonaro como continuador do processo instaurado na ditadura. Esse laço entre passado e presente é um dos pontos mais interessantes do filme, que mostra como a anistia deflagrada em 1979, e reafirmada pelo STF em 2010, abriu caminho para a volta de muitos dos principais agentes ligados à tortura.
O documentário vai passeando pelo tempo e revelando esses elos temporais. Interessante o resgate que "Memória Sufocada" faz das propagandas do governo sobre nacionalismo, família e outros temas que embasavam ideologicamente o regime ditatorial e lhe revestindo de uma capa moralista e pacífica, enquanto nos porões pessoas eram torturadas e mortas pelos militares. Se muitas imagens de arquivo já foram mostradas em vários outros filmes sobre a ditadura implantada em 1964 no Brasil, a grande contribuição de "Memória sufocada" é a relação que estabelece entre o presente e o nosso passado recente.
Os depoimentos do torturador Ustra e seus asseclas chegam à raia do nojento, e quando o diretor Gabriel Di Giacomo resgata a imagem de 2016, do então deputado Bolsonaro a enaltecer o assassino de tantos presos políticos, nesse ponto, o documentário atinge o nível do insuportável e da repugnância de como chegamos à eleição de um presidente autoritário e defensor do regime de exceção pelo voto direto. Somos acometidos por uma revolta cívica. "Memória sufocada" deixa claro a importância de retornarmos sempre às histórias da ditadura de 1964-79, e o quanto não devemos esquecer dos acontecimentos terríveis que aconteceram em 21 anos nefastos da nossa história, para que não deixemos mais que defensores desse processo aviltante não retornem à política.
"Memória sufocada" mostra bem que a anistia ampla, geral e irrestrita absolveu não os exilados políticos, mas sim os assassinos que praticaram as maiores atrocidades nos porões da ditadura e os números do extermínio o filme de Gabriel Di Giacomo levanta e nos exibe para que não se tenha mais dúvida sobre os horrores ocorridos no país entre 1964-79, com o argumento mentiroso que eram um bando de terroristas comunistas que precisavam ser exterminados a todo o custo.
Somente a ignorância ou a canalhice pode fazer alguém defender aqueles acontecimentos atrozes. Uma balela que infelizmente ainda hoje é alimentada por muitos na nossa sociedade. É crucial continuar sendo produzidos filmes que questionem a benevolência e a necessidade da ditadura para o país. Anistiar é esquecer e o diretor deixa bem claro que não podemos continuar a esquecer. É bem oportuna a lembrança de que fatos hoje corriqueiros, como o extermínio da população preta nas periferias e o massacre dos povos originários são continuidade desse processo abominável implantado em 1964. Para encerrar, quero registrar o emocionante final proposto por Gabriel, com imagens de arquivo da resistência ao regime imposto em 1964 enquanto ouvimos a música "Calabouço", do compositor e cantor Sérgio Ricardo, outra vítima da ditadura militar.
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