Texto de Marco Fialho
Pensa em um filme que expõe a opressão e a violência patriarcal sobre todas as mulheres de um pequeno povoado rural nos dias de hoje? Essa é a saga de "Entre mulheres", com direção da Sarah Polley (Entre o amor e a razão). O filme é um dos 10 indicados a melhor filme no Oscar 2023.
No enredo, um grupo de mulheres de uma pequena comunidade menonita trocam informações entre si por terem certeza que durante à noite elas estão sendo dopadas pelos homens menonitas, que se aproveitam do estado alterado delas para as estuprarem.
Polley expõe a trama por um viés feminista mostrando apenas essas mulheres conversando entre si, ficando os homens excluídos (apenas o jovem August é permitido, por ser filho de uma que já morreu, mas mesmo assim para somente escrever a ata das reuniões) do filme, pois é a hora das mulheres discutirem as agressões sofridas justamente por uma sociedade opressora patriarcal.
"Entre mulheres" mostra essas mulheres com todas as suas contradições, tanto geracionais quanto comportamentais, umas são mais conservadoras enquanto outras são mais ousadas nas discussões. Elas devem votar entre ficar, lutar ou fugir. Não há como negar acerca da relevância dessa obra, por tratar frontalmente um dos temas mais fundamentais do mundo contemporâneo: o da emancipação feminina frente a opressão. Entretanto, algumas estratégias narrativas me incomodaram, como uma insistente narração em off de uma menina, que talvez funcionasse no livro homônimo de Miriam Toews, mas aqui torna-se cansativo, ainda mais que o filme retrata basicamente o falatório sem fim das reuniões entre as mulheres abusadas.
É bom registrar que o título original é bem mais sugestivo e fidedigno à história narrada do que o adotado no Brasil: "Women talking". Um dos problemas do filme de Polley ocorre por ela não condenar, nem julgar, e tão pouco questionar a religiosidade que rege filosoficamente esse grupo de mulheres e que também é um dos sustentáculos do regime opressor que essas mulheres vivem. Seria tão mais interessante se a diretora tivesse atribuído a uma das personagens uma dimensão mais crítica à tradição religiosa menonita (já essencialmente castradora sexualmente). No final de contas, o roteiro estático, não deixa o filme emplacar ou sair de uma fragorosa pasmaceira.
O filme caminha sem grandes arroubos, em cenas que soam repetitivas e que fazem a história caminhar muito lentamente, o que prejudica o ritmo do filme em vários momentos. Há muitas cenas que mostram as discussões entre elas, ora em tom de desabafos (às vezes excessivos), ora com choros, ora com desejos de luta expresso por algumas, mas também muita sororidade e afeto entre elas, com destaque para as performances de Rooney Mara (Ona), Clara Foy (Salome) e Jessie Buckley (Mariche). A personagem ultraconservadora de Frances McDormand, que poderia ser um ótimo contraponto às ideias da maioria de emancipação e revolta, infelizmente acaba por ser deixada de lado durante a trama, sua participação fica até aquém de ser uma coadjuvante, de tão apagada que vai ficando. Quando ela reaparece na partida do grupo da comunidade, uma reação de espanto se faz presente, tamanho a obscuridade que a personagem assume do meio para o fim do filme.
Se a narrativa claudica aqui e acolá, nos cansando em boa parte do tempo, "Entre mulheres" traz o mérito de colocar explicitamente que não devemos mais silenciar às opressões patriarcais, venham elas de onde venham, nem tão pouco aceita-las, nem que para isso seja necessário decidir que o melhor caminho a seguir é o do risco de se embrenhar mundo afora na perspectiva de uma nova vida. Uma pena que falte uma maior contundência que faça aflorar as idéias repletas de justiça que o filme encampa.
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