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PERSONA - Direção de Ingmar Bergman



Resultado de imagem para Persona Bergman

Texto escrito por Marco Fialho para o catálogo "O Lobo à Espreita: uma homenagem ao centenário de Ingmar Bergman", em 2017.


PERSONA (1966)

É indispensável estudar a natureza dos outros antes de darmos livre curso à nossa.
August Strindberg

Persona é o filme de Bergman mais reverenciado no mundo da crítica cinematográfica. Ousado pela estética e linguagem, mas também pelas ideias abundantes que transbordam dele. E essa exaltação é justa, aliás, muito justa. A qualidade de Persona salta aos olhos de qualquer pessoa apaixonada por cinema e chama atenção acerca dos limites existenciais e de reflexão que essa arte pode proporcionar à humanidade. Apesar de não ser um filme fácil é a obra em que Bergman leva ao máximo a abordagem psicológica em seus personagens, por isso é a sua obra fundamental e uma das mais seminais.

O filme marca ainda o primeiro encontro artístico de Bergman com Liv Ullmann, um casamento tão exitoso que extrapolou as telas para a vida. Antes do filme, Bergman não tinha conhecimento sobre as qualidades artísticas de Liv, e reconhece que atirou no escuro, era um risco pensando na complexidade da personagem Elisabet Vogler, confiou em sua intuição e obteve sucesso. Ullmann se tornou importantíssima para Bergman, agregou muito às suas personagens femininas. As expressões dela em Persona são marcantes tamanha a sua densidade. A interação dela com Bibi Andersson é impressionante, e fundamental, porque se não encaixasse uma química entre as duas o projeto ficaria inviabilizado.  

Inicialmente gostaríamos de abordar Persona em seu aspecto superficial, o mais notório. Elisabet Vogler se fecha para o mundo, não aceita a violência que emana dele e como resposta se cala. Alma é a enfermeira destacada pelo hospital para cuidar dela. Vogler é uma atriz reconhecida que no meio de um espetáculo decide pelo silêncio. A chefe do hospital oferece a sua casa de verão para as duas passarem uma temporada, já que não há nenhuma questão médica para justificar a permanência de Vogler como paciente. Persona é um drama profundamente intimista, mas o mundo não está ali totalmente ausente, muito pelo contrário. Bergman nos mostra Vogler assistindo a um corpo se queimando vivo, ao vivo na TV, em movimento de claro protesto contra a violência. A reação de Vogler a esse ato é de completa perplexidade. São dois movimentos então: um o de ser agredido por essa violência descabida e descarada do mundo em que todos vivemos e outro a de reagir a tudo isso por meio de um mutismo para além de simbólico, pois ele é físico, efetivo, uma atitude extrema contra o mundo, onde a palavra não anda acrescentando nada, nem tão pouco agregando às pessoas.     

No filme temos então aparentemente duas protagonistas e a questão da representação é exposto como tema para reflexão. Sobre isso, o crítico Carlos Armando escreveu que “a personagem central - personagem catalisadora, mas não propriamente personagem principal - é uma atriz, não é evidentemente por acaso. O título do filme (Persona, palavra grega: máscara) o confirma bem. Bergman estabelece a oposição rosto-máscara, realidade-aparência, própria da condição humana, mas particularmente evidente no caso de quem representa. E, a partir dessa oposição termo a termo, o filme desenvolve-se: eu-outro, real-imaginário, silêncio-palavra, vida-morte, criança-adulto, interior-exterior, mar-terra, chuva-sol, dia-noite; e ao nível estético mesmo da direção observa-se essa preocupação: luz-sombra, claro-escuro, preto-branco (é impossível imaginar Persona como um filme em cores)”. 

Persona é um dos filmes mais misteriosos de Bergman e ele se apoia nessas oposições para reforçar algumas imprecisões. Em certo momento do filme Alma pergunta se Vogler havia falado com ela na noite anterior e se ela havia visitado seu quarto. Enquanto espectadores ficamos sem saber se Alma está confundindo sonho e realidade ou se ela vive problemas psíquicos. Ou ainda serão devaneios ou Alma e Vogler são uma única pessoa com problema de dupla personalidade? Bergman deixa tudo isso em aberto e isso é algo altamente estimulante, pois aos poucos a identidade das duas vai se imiscuindo de tal forma que as separações físicas tornam-se obsoletas. Corpo, roupa, atitudes vão dissolvendo a esfera corpórea. O falar excessivo de uma e o silêncio absoluto da outra se completam, parece que a fala de Alma diz mais sobre Vogler que o seu próprio silêncio, ou seria então a expressão de uma outra personalidade que emerge durante a sua crise psíquica?

O filme explora as máscaras (persona) que utilizamos no cotidiano para sobrevivermos emocionalmente, mas que não nos faz indivíduos felizes. Bergman trabalha muito bem os movimentos de câmera, em especial os movimentos de aproximação nos rostos, para sinalizar os momentos de tensão emocional, para flagrar o instante em que algo será cingido, ou pela fala, ou em pensamento. Bergman talvez seja o diretor de cinema que mais introjetou as teorias freudianas, os níveis de consciência, subconsciente e do inconsciente. Em Persona talvez seja o momento de sua carreira onde essas questões são trabalhadas de maneira mais coerentes e orgânicas.

Mas há uma sequência que merece uma análise especial, inclusive pela forma como Bergman a constrói. E a tomaremos aqui em sua face aparente, literal. A sequência inicia quando Alma e Vogler estão bebendo vinho e a conversa está fluindo com muita intimidade. A câmera enquadra as duas em um plano médio, mas quanto mais a conversa (sim, conversa sim, pois enquanto Alma fala Vogler faz massagem em suas costas, ombros e elas trocam olhares amáveis) vai se estreitando, vai também crescendo a intimidade entre elas e o vinho pode servir como um facilitador dessa aproximação.  A câmera de Sven Nkyvist se aproxima enquanto Alma diz que sempre teve vários irmãos e sempre sonhou em ter uma irmã. Alma engata então uma fala acerca do amor pelo seu marido e termina falando que sempre foi fiel a ele. Nesse exato momento há um corte brusco, com as personagens inclusive posicionadas de outra forma. Fica a impressão de que agora não é mais seu consciente que está se expondo, mas sim seu inconsciente. Será um transe? Ou apenas seu inconsciente lhe traindo? A câmera inicia novamente em um plano geral. Alma agora no sofá, em um tom confessional, razoavelmente distante de Vogler, que está deitada na cama. Ela narra um dia em que o marido foi trabalhar fora da ilha em que moravam, enquanto ela, sozinha, foi à praia. Como o local estava vazio, ela trava contato com uma garota, que estava também desacompanhada, e como as duas aparentemente eram as únicas na praia elas resolvem tomar banho de sol nuas. De repente elas reparam que dois garotos as observavam de longe. Nesse momento a câmera enquadra Alma em plano médio no sofá e alterna com o plano também médio de Vogler. Alma descreve a aproximação de um dos meninos, e a câmera agora, já está em um plano próximo dela, em profunda intimidade. Ela conta que a outra garota convida o menino a se aproximar e eles começam a fazer sexo. Alma então diz que também o convida e eles também transam. A câmera ainda continua sem cortes no plano próximo. Ao contar sobre o orgasmo a câmera volta-se para Vogler, no mesmo enquadramento de antes. Vogler a observa com um olhar de total interesse e curiosidade. A câmera volta para Alma que levanta do sofá e vai fumar na janela enquanto a câmera se distancia, o plano agora é o geral novamente. Ela começa então a narrar a entrada do segundo menino na transa. O menino começa com a outra garota e a câmera volta-se para o plano próximo de Vogler novamente, e Alma diz que transa de novo com o mesmo garoto de antes. Com a câmera em plano geral em Alma, ela diz que eles nadaram juntos depois das transas, mas a seguir todos foram embora, se separando para sempre. Na janela, de costas para a câmera em plano próximo, Alma discorre sobre sua volta para casa e o reencontro com o marido, onde eles jantam e bebem vinho. Alma se vira e anda em direção à câmera e já em close diz que ela e o marido, nessa noite, transaram, e foi o melhor sexo que fizeram no casamento. Há um corte na cena, e elas aparecem deitadas na cama. Alma está de perfil no primeiro plano, enquanto Vogler está em segundo plano, de frente para a câmera. Alma declara, chorando, que engravidou, mas optou em fazer um aborto. Ainda no mesmo enquadramento, Alma se pergunta porque em determinadas situações agimos como se fôssemos duas pessoas diferentes no mesmo corpo. Vogler a abraça ternamente. Na última cena da sequência, já no fim de noite e chovendo, ambas tomam café e Alma diz para Vogler, em plano próximo, que poderia ser como ela caso ela se esforçasse, e que Vogler poderia ser ela. Alma parece que cochila e sonha com Vogler falando com ela.

Essa sequência é longa, mas sintetiza cinematograficamente muito bem o filme e as concepções artísticas de Bergman. Primeiro gostaria de salientar a tal mudança brusca mencionada acima, que marca uma transformação no estado psíquico da personagem Alma e que expressa o despencar de sua máscara. É por meio da montagem que Bergman revela a fissura de Alma. Os planos escolhidos nas cenas demarcam o grau de profundidade e de envolvimento que ele quer atingir no processo narrativo. Um detalhe marcante nessa sequência é o da imagem se fixar tão somente nas personagens. Em nenhum momento assistimos a qualquer imagem do que está sendo narrado por Alma. Tal como em um livro temos que imaginar as imagens e a intensidade dessa história é tal que somos desejosos de assim fazê-lo. Bergman nos transforma então em criadores dessas imagens. É quebrada a lógica de que o cinema é a arte na qual um diretor constrói uma história por meio de imagem e som. Mas mesmo assim tudo ali continua sendo cinema, e o que Bergman faz é ampliar as suas possibilidades narrativas e temporais. A opção por narrar oralmente a história amplia a nossa visão da história, que transcorre internamente na narrativa de Alma e exteriormente nas ações e reações dela e de Vogler. Conseguimos então acompanhar passado e presente, confluir duas temporalidades em uma única sequência e o mais fascinante é que Bergman consegue manter intacta a complexidade dessas duas dimensões temporais. A camada erótica dessa sequência é extrema e ele nos faz refletir na própria natureza do erotismo, lembrando que tudo ali é tão somente verbalizado, mas que isso, antes de retirar o impacto sexual da sequência, apenas o intensifica e a transforma em uma das mais fortes do cinema.

Mas Bergman propõe para Persona um prólogo, que volta a ser referenciado no meio da película e também retorna parcialmente no final. O prólogo dura 6 minutos e 40 segundos. Ele ainda não é a história, mas dialoga pungentemente com ela. Nele Bergman mostra diversas imagens aparentemente soltas, como se fossem uma espécie de quebra-cabeça. Vemos imagens internas de um projetor e a sua frenética engrenagem mecânica, assim como o seu conturbado som e a película exposta à luz do refletor. Bergman nos revela o cinema por dentro, em um ângulo pouco mostrado e conhecido. Pode-se dizer que há também uma dose de erotismo nessas imagens. Mas outras imagens aparecem, a de uma aranha, de um animal sendo sacrificado, de um dedo que insinua furar o olho do animal (será uma referência ao olho de Buñuel em Um cão Andaluz?), um pênis ereto, uma carne estripada, vísceras expostas, um prego entrando na carne de uma mão e imagens de externas: uma floresta com neve, uma grade. As imagens voltam-se para o interior, onde vemos um rosto idoso morto, uma criança morta, alguns corpos mortos. De repente os olhos de alguns desses se abrem, inclusive os do menino, que levanta, abre um livro, e mal começa a lê-lo, olha para a câmera e toca na lente. O ângulo então é invertido e o menino continua a tocar, só que agora ele já toca a própria tela de projeção e a imagem é de uma mulher (é o rosto de Vogler, ou estaria ele sendo intercalado com o de Alma, não dá para saber, os rostos estão quase sempre desfocados, o foco está nas costas do menino). Não importa mesmo, afinal, Alma e Vogler são a mesma pessoa. Entram então os créditos. Mas nos créditos alguns frames são colocados, quase que imperceptíveis entre os nomes do elenco e da equipe do filme. Mas no meio do filme Bergman também interfere na narrativa, a interrompe violentamente para inserir uma imagem de Alma se decompondo cinematograficamente, como se a película estivesse se incendiando, e esse é um momento crucial em que ela, que representa a segunda personalidade de Vogler, entra em um processo profundo de crise e começa a esboçar atitudes violentas em relação ao mutismo de Vogler. Primeiro Alma quebra um copo, mas deixa no chão um caco para Vogler pisar. Depois, sozinha na sala ela retira o véu, e é nessa hora que a imagem de Alma se decompõe. A partir de então Bergman nos propõe uma fratura dessa personalidade Alma-Vogler, e Bergman propõe uma visível e deliberada interrupção no espetáculo cinema para introduzir sons de bastidores, imagens de mãos crucificadas e imagens do cinema silencioso. Para Bergman, o cinema pode tudo, pode até representar uma pessoa dividida em dois personagens, e isso, é a própria magia do cinema. Quando Bergman volta ao filme, vemos Vogler desfocada a procura de Alma. Começa então várias agressões físicas entre as duas, até que chegamos a um longo monólogo sobre  maternidade, que Bergman repete duas vezes, uma com a câmera em Alma e outra com a câmera em Vogler. Ao final, os rostos das duas se fundem, meio a meio, e vem a revelação que Alma e Vogler são uma só pessoa. Nessa altura, a câmera de Bergman é invasiva e nos mostra expressivos closes, cada vez mais próximos. A crise psíquica de Vogler chega ao seu ápice e suas ambas personalidades, tal como a imagem, também se decompõem.        

Feita a exposição em si das imagens, podemos pensar então um pouco mais sobre elas. De imediato, essas imagens, montadas dessa forma nos faz pensar em Eisenstein e na sua teoria de montagem. As imagens teriam que forjar sentido a partir de seu conjunto, ou mais, em um diálogo entre elas. 
Gostaria de incluir também nessa reflexão, intercalando, a própria obra de Bergman, seu conjunto de filmes, ou melhor, os temas que tanto o angustiavam. Primeiro a preocupação de Bergman em interromper o espetáculo, nos mostrar que acima de tudo assistimos a um filme, que não é a vida em si, mas sim uma representação dela, e que esse é o caráter falso e fascinante dessa arte. Apesar dessa sua natureza intrínseca, o cinema é capaz de expressar as preocupações dele como artista com o mundo que o cerca. Por isso a necessidade dele de expor as vísceras, a morte, o repugnante, o erotismo, a natureza em sua plenitude (inclusive a natureza humana), a loucura, a cultura, a arte, a religião, o sofrimento e a culpa. Todo esse conjunto faz de Persona um filme síntese do universo bergmaniano, uma obra extrema tanto no seu método quanto nos temas que propõe discutir. Tem ainda os frames dos créditos iniciais, que nos lembram o quanto da imagem não conseguimos capturar racionalmente, mas sim apenas emocionalmente, pois vemos a imagem de forma perceptiva, em especial porque ela surge em um frame, mas junto com outros 23 frames por segundo. Cinema para Bergman é isso, vertigem, expressa a própria fratura do homem moderno. Persona é o filme em que ele traduziu melhor essa sua ideia.

Não por acaso, a primeira imagem de Persona é a do filme nascendo para o mundo, isto é, o instante em que o projetor é ligado para que a película possa entrar em contato com a luz e ser projetada na tela. Dessa forma, Bergman erotiza seminalmente o cinema, erotismo inclusive presente em todo o filme. No final, ele volta para a imagem do projetor com os últimos metros de rolo de filme na bobina e o apagar do aparelho. Assim como na vida, o nascimento e a morte do filme nos é mostrado, e foi Bergman com o seu ateísmo quem melhor nos mostrou o inevitável ciclo do cinema e da vida. Em Persona ele discute psicologia, narrativa, cinema, linguagem e teatro. É um filme metalinguístico na essência, o que também não deixa de ser mais um sintoma que esta é uma obra-de-arte extremamente bergmaniana.

Cotação: 5/5

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