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TODOS OS PAULOS DO MUNDO - Direção Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira





“A melancolia é uma tristeza com um pouco de leveza” Ítalo Calvino

Crítica de Marco Fialho


Paulo José é um ator genial e essencial para o nosso cinema. Se você não acredita nisso, corra pra ver o filme “Todos os Paulos do Mundo”, realizado pela dupla Gustavo Ribeiro e Rodrigo de Oliveira.


Os diretores conceberam a obra de forma original. As imagens quase todas são extraídas de seus inúmeros trabalhos feitos para cinema, televisão e teatro, não necessariamente nessa ordem. Poucas imagens foram filmadas exclusivamente para o filme. Os textos das narrações foram escritos pelo próprio Paulo José, numa espécie de autobiografia anárquica. Os amigos de trabalho, que já compartilharam papéis com o ator, fazem, visivelmente emocionados, as vozes dele, que relatam momentos marcantes de sua vida e opiniões sobre a arte de representar.


Os depoimentos falam de sua infância, relação com os pais, colegas, mulheres, diretores, teatro, sua doença, e claro, sobre cinema e os filmes que fez. Tem tiradas sensacionais, como a sua defesa de que tudo o que está nas obras e construído ali pelo diretor diz respeito a seus significados, mas que há algo na esfera do significante que só pode ser atribuído aos atores, pois são eles os responsáveis em deixar sempre algo em aberto nas obras, com suas interpretações e idiossincrasias. Esse pensamento vai no cerne de seu trabalho como ator, sintetiza com exatidão a maneira pela qual ele abraça os papéis que lhe são confiados e do quanto consegue inserir tanta alma em seus personagens.


Mas como é bom, e ao mesmo tempo triste, ver a história do cinema brasileiro contemporâneo deslizando a nossa frente durante mais de uma hora consecutiva; ver o quanto que Paulo José imprime de leveza em seus personagens; de ver quanto poder ele possui de transformar a atuação de quem tem o privilégio e a honra de contracenar com ele. Um ator estupendo e libertário, que se deixa levar sempre pela intuição, pela alegria de representar e de duvidar de si mesmo por meio de seus personagens.


“Todos os Paulos do Mundo” consegue com sua seleção de imagens mostrar o quanto emblemático Paulo José é para o nosso cinema e para a sua história. Como falar do Cinema Novo sem lembrar de seus personagens em “O Padre e a Moça”, “Todas as Mulheres do Mundo”, “Macunaíma”, “Eles Não Usam Black-Tie”. Depois como no Cinema da Retomada com papéis significativos em “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil” e ‘Anahy de Las Missiones”. No Século 21 deixou sua marca em interpretações incríveis em filmes como “Dias de Nietzsche em Turim”, “Saneamento Básico”, “Quincas Berro D’Água” e O Palhaço”. Fora isso, ainda emprestou sua voz inconfundível e incomparável como narrador em diversos filmes, entre eles, “Ilha das Flores”, “500 Almas”, “Insolação”, “Como Fazer um Filme de Amor” e “O velho - A História de Luís Carlos Prestes”. Penso ainda na série “Shazam, Xerife e Cia.”, na qual ele e Flávio Migliaccio tocaram magicamente a infância de toda uma geração. Também tem a alegria de ver imagens dele com a incrível Dina Sfat, em novelas, filmes e o encontro deles no teatro.          


Se você ama o cinema, em especial o feito no Brasil, precisa assistir para conhecer, ou rememorar, não importa, a essa magnífica homenagem que os diretores de “Todos os Paulos do Mundo” prestam a essa entidade libertária de nosso cinema, esse ser sagrado que atende por um simples nome composto, mas que esconde a grandeza descomunal de um homem que parece estar sempre à flor da pele, um artista único, contagiante e mais brasileiro que qualquer outro que eu me esforce aqui, provavelmente em vão, para lembrar. Como é emocionante ver Paulo José imortalizado nessa obra que  transborda ternura.

Visto no Festival do Rio 2017, no Estação Net Ipanema.

Comentários

  1. Emocionante: lido agora...ou bem antes. Apontar a característica marcante de Paulo José - leveza - é percepção aguçada, de quem chega a abstrair da atuação dramática o homem. Paulo foi sempre tudo de singelo, delicado, quer vilão, quer palhaço.
    "Todos os Paulos do mundo" é presente, agora, sempre, mais que nunca.

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