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PATERSON (2016) Direção de Jim Jarmusch


Sinopse

Na cidade de Paterson, em Nova Jersey - EUA, um pacato motorista (Adam Driver) vira um personagem conhecido por se destacar em uma arte diferente da condução de veículos. Nas horas vagas, o rapaz gosta de escrever belas poesias em seu caderninho.

Elenco: Adam Driver, Goshifteh Farahani, Helen-Jean Arthur


A poesia nossa de cada dia


Texto de Marco Fialho

 

Só um cineasta imprevisível e com uma assinatura tão marcante como Jim Jarmusch poderia nos brindar com um filme tão criativo e inusitado. Só ele poderia juntar poesia, um motorista de ônibus (cujo nome é o mesmo da cidade onde mora), uma artista excêntrica e um cachorro tinhoso e turrão. Um filme onde a poesia conforma todo o resto, emaranhando personagens e suas ações no tempo, tendo a repetição como elemento definidor da própria personalidade do nosso Paterson.

 

Afinal o efeito da repetição é o que movimenta pessoas e cidades, por isso a brincadeira da dualidade entre personagem e cidade. Mas Jarmusch acrescenta a isso um ardil, o da arte e seu papel como desestabilizador da vida mecânica que fundamenta as cidades. Paterson é uma obra detalhista, que aguça o espírito de observação do espectador, que precisa ser vista com a alma, pois sua profundidade está enraizada também em cada um de nós (apenas não sabemos disso).

 


A poesia impregna a estrutura narrativa, mas também está posta na própria ação do personagem Paterson. A poesia que ele escreve é antes de tudo uma forma de sobreviver ao cotidiano repetitivo. Mas ainda tem a poesia de William Carlos Willians que reforça o coloquialismo presente no filme, uma poesia que insistentemente retrabalha o tempo cotidiano. Sua poesia aparece no filme em momentos cruciais, onde a cidade é ressignificada a partir dela própria e também na sua relação com os personagens, em especial com o protagonista Paterson (que como já disse, tem o mesmo nome da cidade que mora). 


Jarmusch consegue comungar exemplarmente em “Paterson” à paisagem imagética e sonora. O som no filme cria uma ambiência tal que saímos do filme com uma sensação de que conhecemos tanto o universo táctil de “Paterson” quanto seu espírito. Esse parece ser um detalhe, mas não é, na medida em que o filme todo se estrutura pela aplicação de muitos detalhes, desde o belo e intrigante cão Marvin até a arte em preto e branco da esposa de Paterson.



A beleza desse filme está verdadeiramente nas sutilezas, nos presentes que Jarmusch pacientemente vai nos ofertando a cada cena, como um convite reiterado para que o nosso olhar se esparrame amplamente na tela, que saia do óbvio e observe detalhes como pequenas (às vezes até minúsculas) peças de diamante encravadas na imagem, como um Wally a ser descoberto e a expandir nossa percepção do filme. Importante obdervar que Jarmusch trabalha tanto na esfera do público quanto do privado, tentando imiscuir poesia tanto em um quanto no outro.


Na esfera privada, Perterson tem uma esposa criativa (a sempre ótima Golshifteh Farahani) imprevisível, mas também tem um cão tinhoso. Quero refletir um pouco sobre ele, o que representa no todo da história. O que pode ser mais indomável que um cão turrão? Ele é o avesso da rotina, capaz de ações irracionais (ele é o irracionalismo da história!) como destruir por ciúme algo que é importante para o dono. Cão e esposa, dois elementos cruciais para que os dias de Paterson não sejam uma pasmaceira só.



Na mise-en-scène de Jarmusch tudo parece de uma simplicidade absurda, entretanto, é nesse aparente descompromisso do cotidiano que esse diretor fantástico inunda inesperadamente nossas vidas com poesia. Paterson é a cidade e também o nome do protagonista e isto não parece ser casual. Jarmusch Essa equação contrapõe frontalmente indivíduo e sociedade, indaga que na urbanidade somos muitos, que cada um de nós precisa trazer a cidade consigo mesmo para que o coletivo realmente possa representar também o indivíduo e lhe dê um sentido de viver.


Jarmusch habilmente mira no mundo urbano, perturbador, caótico, complexo e encrostado de sujeira, como se na sua aparente banalidade ele fosse capaz de ser inebriado e tomado permanentemente por um surto poético. E Jarmusch mostra tudo isso com muita delicadeza e encanto, pois nada como enriquecer de poesia um ambiente (o cotidiano) tão habitualmente ausente dessa perspectiva.         

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