Pular para o conteúdo principal

SABOR DA VIDA (2015) Direção Naomi Kawase


 Sinopse

Sentaro (Masatoshi Nagase) dirige uma pequena padaria que serve dorayakis - bolos recheados com pasta doce de feijão vermelho. Quando uma senhora de idade, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas Tokue prova ter mágica em suas mãos quando se trata de fazer "an". Graças à sua receita secreta, o pequeno negócio logo floresce e, com o tempo, Sentaro e Tokue abrem seus corações, revelando velhas feridas.


A magia do calor humano


Texto de Marco Fialho


Ao ler a sinopse de qualquer filme dirigido por Naomi Kawase, tudo leva a crer que se trata de mais um daqueles repletos de clichês que abundam nos dramas vindos da indústria norte-americana. Kawase não faz esse estilo, seus dramas trazem reflexões humanas profundas e como de costume há nesse “Sabor da Vida” um clima de encantamento vindo justamente das ações cotidianas.


O mais tocante desse filme é a atuação da veterana atriz Kirin Kiki (Tokue). Por meio da delicadeza de sua interpretação, Kawase constrói enredos de vida em torno de uma pequena padaria, administrada por Sentaro, seu carrancudo dono. A sutileza na qual Tokue se expressa na vida é visível, e Kawase se esmera ao mostrar detalhadamente a preparação de sua especialidade, a iguaria an, um doce feito a partir de feijões vermelhos. 



O filme então se constitui muito mais pela relação que estabelece entre os personagens e entre eles e as coisas do que pelo que é propriamente dito. Em síntese, há uma crítica subliminar ao processo de industrialização de alimentos e um elogio às práticas tradicionais, cada vez mais engolidas por uma sociedade regida pela aceleração do tempo e pela valorização do descartável.


Ao se assistir a um filme de Naomi Kawase, somos exigidos a fruí-lo com todos os sentidos possíveis. Essa camada sensorial está presente durante o processo criativo da diretora, de tal maneira que salta para o espectador. A interpretação dos atores, a fotografia, as locações, os diálogos e o som são camadas que juntas formam uma unidade que enchem a nossa alma. Kawase instaura um ambiente mágico que nasce da própria relação humana, inclusive com a sua ancestralidade.



Quando saímos de um filme de Kawase, a magia ali emanada parece ficar engastada na gente, como um carinho reconfortante. A cada nova fruição, Kawase renova e aprofunda sensorialmente a nossa relação com a natureza, uma reiteração que coloca os espectadores para além do próprio cinema, pois mais do que uma história, o que vemos é uma nova proposta de estar e se colocar no mundo. Esse dom é mais do que artístico, é essencialmente humano, e não só não é para todos, como é para poucos.

"Sabor da vida" reafirma o elemento central do cinema de Kawase, conferir à vida um sentido e uma razão tátil para continuarmos insistindo em dormir, sonhar e acordar, instiga em nós uma ideia de que vivemos com o outro, e mais, com a natureza, que o indivíduo sozinho é ausente de potência, se esvazia e por isso está condenado ao sofrimento. Nos tempos sombrios e egoístas que vivemos hoje, mais do que nunca o cinema de Kawase se faz tão necessário de ser visto e revisto.

Comentários

  1. Que bela análise senti como se minha alma tivesse sido abdusida.
    Nao saberia escrever tanta delicadeza num texto tão consiso.
    Gostei muito mesmo, Marcos.
    Abs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que maravilha, Rose! Agradeço muito a leitura e as observações!

      Excluir

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!

Postagens mais visitadas deste blog

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2023 - 340 filmes

DESTAQUES FILMES INTERNACIONAIS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-filmes-internacionais-em-2023.html?m=1 DESTAQUES FILMES BRASILEIROS 2023 https://cinefialho.blogspot.com/2023/12/destaques-de-2023-filmes-brasileiros.html?m=1 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 DESTAQUES DE CURTAS BRASILEIROS 2023 (cinefialho.blogspot.com) ESPECIAL FIM DE ANO: 14 VÍDEOS DO BATE-PAPO CINEFIALHO DE 2023: O REINO DE DEUS (2023) Dir. Claudia Sainte-Luce Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ GUAPO'Y (2023) Dir. Sofía Paoli Thorne Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ AS GRÁVIDAS (2023) Dir. Pedro Wallace Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram _____________ À SOMBRA DA LUZ (2023) Dir. Isabel Reyes Bustos e Ignacia Merino Bustos Vídeo:  Marco Fialho (@cinefialho) • Fotos e vídeos do Instagram ______________ PONTES NO MAR (2023) Dir. Patricia Ayala Ruiz Vídeo:  Marco Fialho (@ci

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras difere