Sinopse
Sentaro (Masatoshi Nagase) dirige uma pequena padaria que serve dorayakis - bolos recheados com pasta doce de feijão vermelho. Quando uma senhora de idade, Tokue (Kirin Kiki), se oferece para ajudar na cozinha, ele relutantemente aceita. Mas Tokue prova ter mágica em suas mãos quando se trata de fazer "an". Graças à sua receita secreta, o pequeno negócio logo floresce e, com o tempo, Sentaro e Tokue abrem seus corações, revelando velhas feridas.
A magia do calor humano
Texto de Marco Fialho
Ao ler a sinopse de qualquer filme dirigido por Naomi Kawase, tudo leva a crer que se trata de mais um daqueles repletos de clichês que abundam nos dramas vindos da indústria norte-americana. Kawase não faz esse estilo, seus dramas trazem reflexões humanas profundas e como de costume há nesse “Sabor da Vida” um clima de encantamento vindo justamente das ações cotidianas.
O mais tocante desse filme é a atuação da veterana atriz Kirin Kiki (Tokue). Por meio da delicadeza de sua interpretação, Kawase constrói enredos de vida em torno de uma pequena padaria, administrada por Sentaro, seu carrancudo dono. A sutileza na qual Tokue se expressa na vida é visível, e Kawase se esmera ao mostrar detalhadamente a preparação de sua especialidade, a iguaria an, um doce feito a partir de feijões vermelhos.
O filme então se constitui muito mais pela relação que estabelece entre os personagens e entre eles e as coisas do que pelo que é propriamente dito. Em síntese, há uma crítica subliminar ao processo de industrialização de alimentos e um elogio às práticas tradicionais, cada vez mais engolidas por uma sociedade regida pela aceleração do tempo e pela valorização do descartável.
Ao se assistir a um filme de Naomi Kawase, somos exigidos a fruí-lo com todos os sentidos possíveis. Essa camada sensorial está presente durante o processo criativo da diretora, de tal maneira que salta para o espectador. A interpretação dos atores, a fotografia, as locações, os diálogos e o som são camadas que juntas formam uma unidade que enchem a nossa alma. Kawase instaura um ambiente mágico que nasce da própria relação humana, inclusive com a sua ancestralidade.
Quando saímos de um filme de Kawase, a magia ali emanada parece ficar engastada na gente, como um carinho reconfortante. A cada nova fruição, Kawase renova e aprofunda sensorialmente a nossa relação com a natureza, uma reiteração que coloca os espectadores para além do próprio cinema, pois mais do que uma história, o que vemos é uma nova proposta de estar e se colocar no mundo. Esse dom é mais do que artístico, é essencialmente humano, e não só não é para todos, como é para poucos.
Que bela análise senti como se minha alma tivesse sido abdusida.
ResponderExcluirNao saberia escrever tanta delicadeza num texto tão consiso.
Gostei muito mesmo, Marcos.
Abs
Que maravilha, Rose! Agradeço muito a leitura e as observações!
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