
A memória caduca do
jovem cinema
Crítica de Marco Fialho
“Lumière - a aventura
começa” é um filme obrigatório para todos os cinéfilos, afinal os famosos
irmãos são os responsáveis pela forma na qual o cinema se instituiu. O
cinematógrafo possibilitou que diversas pessoas vissem ao mesmo tempo, no mesmo
espaço, pequenos filmes compostos de imagens em movimento.
O filme é constituído
por um apanhado de filmes feitos de 1895 a 1905. São pérolas do primeiro
cinema, organizadas pelo Diretor do Festival de Cannes Thierry Frèmaux, que
também comenta todos o material exibido, não deixando passar uma imagem. Esse
procedimento adotado é um dos pontos fracos do filme. O estilo de narração de
Frèmaux me remeteu a “No Instante Agora”, de João Moreira Salles, também em
cartaz, que se utiliza desse duvidoso artifício. O grande problema é que os
comentários explicativos desses dois diretores deixam pouco espaço para que o
espectador leia autonomamente o que está sendo exibido. Todas imagens ficam
direcionadas por observações do tipo, “repare aquela criança no canto esquerdo
do quadro”, “veja como esse homem com o chapéu chama toda a nossa atenção para
ele”. Assim, como espectadores ficamos à mercê das visões enunciadas pelo
diretor, não temos sequer o tempo de refletir sobre o que estamos vendo.
Mas felizmente, a
riqueza dos 108 filmes de 50 segundos se salva por seu valor histórico
inestimável e inquestionável. A qualidade do restauro desses materiais salta
aos olhos. Todos estão impecáveis e belos. Frèmaux organiza todo esses filmes
em capítulos temáticos que dão uma forma didática e esquemática à proposta, mas
que permite a novas plateias conhecer esse precioso arquivo do cinema.
Não tem como não se
impressionar com as famosas e icônicas cenas do trem chegando na plataforma da
Estação de Ciotat, assim como não dá para ficar totalmente apático ao ver a
imagem dos operários e operárias saindo da fábrica que pertencia à própria
família Lumière. Mas o que mais me comoveu foram as imagens menos conhecidas,
em especial as que foram feitas em diversos países pelo mundo afora. Isso
porque ao vender as patentes do cinematógrafos, os irmãos Lumière enviavam uma
equipe para fazer registros desses países. Então, vemos imagens preciosas das
pirâmides do Egito, da Turquia, da Inglaterra, da Alemanha, do Japão, da
Irlanda e tantos outros, todas surpreendentes. São registros históricos e
culturais relevantes, que mostram o poder do cinema como um meio de comunicação
importante, como fonte de conhecimento potente, sem contar o seu peso como um
poderoso meio de preservação da memória de uma civilização.
Se por um lado, a
escolha da narrativa excessivamente explicativa enfraquece a proposta, por
outro, a pesquisa e a homenagem à origem do cinema fortalece o filme. No
cômputo geral a experiência é positiva. Sentimos um profundo reconhecimento
quando assistimos várias imagens clássicas, mas nos encantamos igualmente ao
descobrirmos outras tantas desconhecidas. Mas vale muito uma ida ao cinema para usufruir
desses momentos primordiais, quando as imagens em movimento sequer eram
realmente ainda cinema, onde o seu futuro era duvidoso e tudo podia ser apenas mais uma modinha passageira, ou uma mera distração para compor uma feira de
curiosidades exóticas. Se o cinema às vezes é tão relapso com a sua história,
esse registro de Frèmaux reafirma o papel da preservação da memória desse
ancião que aparenta ser em alguns momentos ainda tão jovial.
Visto no Estação Net
Rio 2, em 16/12/2017.
Cotação: 3 e meio/5
Cotação: 3 e meio/5
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