Para amar Van Gogh
Crítica de Marco Fialho
Com Amor, Van Gogh”
é antes de tudo um filme feito para os sentidos. Desde o início é fácil
perceber que a camada imagética se sobrepõe a todas as outras que compõe essa
obra. A beleza da técnica de animação, inspirada no próprio estilo
inconfundível do pintor se impõe de tal forma, que o melhor a fazer é relaxar e
embarcar mesmo nessa inusitada proposta visual. É claro que esse desnível entre
forma e conteúdo está ali bem evidente, mas não deve impedir e atrapalhar a
fluência e o impacto inconteste provocado pelas suas imagens.
Os diretores Hugh
Welchman e Dorota Kobiela se utilizaram de 125 artistas contratados para pintar
mais de 60.000 telas-frames a óleo, ao longo dos 95 minutos de filme. Mas o que
mais me chamou a atenção foi a dinâmica visual que essas telas criam na
imagem. Como o estilo de Van Gogh incorporava um traço brusco, pinceladas de
uma rusticidade irregular, um frame não “encaixa” devidamente no seguinte, o
que produz um impacto visual impressionante, pois a imagem parece sempre estar
em movimento, até quando ela deveria aparentar estar estática. Esse efeito
visual salienta a própria técnica de Van Gogh e faz nosso interesse crescer no
decorrer do filme.
A trama transcorre
após a morte de Van Gogh e muito se assemelha a narrativa de “Cidadão Kane”
(1941), de Orson Welles, ao evocar flashbacks que sustentam a narrativa.
Como em Kane, há uma investigação com o objetivo de tentar desvendar um
mistério. Enquanto em “Cidadão Kane” o alvo são suas últimas palavras, o
indecifrável “Rosebud”, em “Com amor, Van Gogh” a busca ao seu passado
se inicia a partir de uma carta deixada pelo pintor. A partir daí o personagem
Roulin, filho de um carteiro que era amigo de Van Gogh, se esforça em entender
algumas circunstâncias desencontradas que envolveram a morte do pintor
holandês.
Mas sem dúvida, “Com
Amor, Van Gogh” foi realizado para encantar a legião de fãs do pintor. Todas as
estratégias são evidentes quanto a isso. A presença dos personagens, todos
inspirados em célebres pinturas, como as do Dr. Gachet, de sua filha tocando
piano, da jovem Ravoux, assim como suas paisagens da bela província de Auvers-sur-Oise, são elementos fundamentais
para a criação da empatia da obra com o público. E os diretores iniciam muitas
vezes as cenas a partir de uma pintura famosa, o que desperta de imediato
suspiros na plateia do cinema.
Toda a construção de
“Com Amor, Van Gogh” foi pensada para emocionar o espectador, o que na verdade
nem precisaria de tanto, já que o desprezo vivido pelo pintor em vida é
inversamente proporcional à sua estrondosa fama e valorização post mortem. Por
isso mesmo, é injustificável a forma na qual os diretores trataram da parte
musical do filme. As músicas sempre estão nas cenas com o claro intuito de
agravar o sentimento do que está sendo visto e falado, o que denota um exagero,
francamente desnecessário. Claro que o público sai do cinema tão anestesiado e
inebriado que na maioria das vezes sequer percebe as manipulações nas quais foi
vítima. Faz parte do jogo e das estratégias narrativas de sedução acolhidas
e adotadas por alguns filmes, mas eles devem ser aqui salientados e analisados,
pois afinal pertencem à obra.
Todavia é realmente impossível deixar à parte o aspecto sedutor dessa obra. Personagens familiares,
os quais convivemos anos e anos nos livros e museus que abruptamente
desabrocham sem mais na nossa frente, vigorosos, vívidos, fulgurantes e com uma
beleza tal que só nos resta mesmo esquecer de tudo, e fazer como Akira Kurosawa
(talvez o maior inspirador dessa obra) propôs em seu magnífico “Sonhos” (1990):
embarcar com todo encantamento possível numa passagem sem volta nos quadros
extraordinários do mestre Vincent Van Gogh.
Visto no Espaço Itaú
de Cinema, no dia 16 de dezembro de 2017.
Cotação: 3/5
Cotação: 3/5
Excelente crítica. Como professor de História da Arte que há anos convive com reproduções de obras de Van Gogh, me reconheci no típico espectador que a análise do filme faz menção. Como diz o Marco, nem era preciso certas estratégias, uma vez que o aspecto afetivo iria dominar o público.
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