Tudo o que é sólido pode desmoronar
Crítica de Marco Fialho
Como a crise de um país pode abalar a vida dos homens comuns, simples assalariados? Essa parece ser a pergunta que motivou a cineasta Teresa Villaverde a realizar seu “Colo”. Daí o filme se revelar muito pelas ações de seus personagens e não por discursos eloquentes. Desde a primeira cena a diretora já nos mostra ao que veio ao desvelar afetos não correspondidos. Toda a trama está imersa em uma Lisboa decadente, que sofre com uma baita retração econômica.
Mas o tema central de “Colo” é o da desintegração. Não só a família se esfacela, as próprias subjetividades dos personagens entram também em parafuso. Um detalhe curioso é que alguns deles têm nome, caso da protagonista, a adolescente Marta. Mas seus pais não, inclusive são creditados simplesmente como pai e mãe.
Normalmente, quando enfrentamos um problema grave na vida, a nossa referência é o lar, corremos a esse ambiente acolhedor em busca de nos reequilibrar novamente. Mas esse não é o caso dos personagens de “Colo”, que preferem tentar resolver suas crises emocionais na rua, chegando ao extremo de passar a noite fora de casa.
A câmera acompanha pacientemente os personagens em suas angústias, não há movimentos bruscos, o filme é seco, mantém um certo distanciamento, não se envolve com os personagens, também não os penaliza nem os infantiliza e tão pouco os vitimiza. As interpretações são todas contidas, sem grandes arroubos emocionais. Somos convidados simplesmente a observá-los. Mas isso não indica que eles são tranquilos, muito pelo contrário, eles nos surpreendem e nos deixam permanentemente atônitos com seus comportamentos muitas vezes inusitados. Marta, a filha, oscila constantemente entre a apatia e momentos mais exaltados. O contexto não permite que ela seja uma mera adolescente, exige dela cada vez mais uma postura adulta, de encarar a vida e as adversidades de frente.
A falta de perspectiva é de tal ordem, que de maneira surpreendente, os personagens trocam de papéis, as famílias são redefinidas tal como um surto psicótico. A crise irrompe em camadas, principalmente porque ela não é só econômica, ela faz aflorar e detonar outros distúrbios e contradições preexistentes, típicos e inerentes de uma família pequena-burguesa, estruturada pelo dinheiro e por rígidos padrões educacionais. “Colo” nos mostra a fragilidade desses valores, como eles são facilmente quebrantados. O desemprego crônico do pai o deixa desesperado e literalmente nu. Não à toa a narrativa explicita isso, afinal o rei da casa está nu.
O próprio título “Colo” revela uma conseqüência inevitável da crise, que quando estamos fragilizados carecemos de carinho em dobro. Mas o mistério mais abrupto dessa obra está em que nem sempre encontramos consolo onde mais esperamos. E o que mais me agrada nela é a sua aposta no inusitado e no inesperado. Quando tudo está fora do lugar, o cotidiano se transforma, e a família igualmente, pois já não se pode mais encontrar o que procura em um lugar que não mais existe.
A diretora Teresa Villaverde, ao enfocar esse pequeno núcleo familiar, consegue traduzir sua degradação, mas felizmente não se contenta apenas com isso. Ela prefere nos assombrar ao mostrar que a vida vai muito além das convenções. “Colo”, com sua narrativa seca e fria, traça um Portugal dramático, porém jamais melodramático. Portanto, não espere dessa obra facilidades. Ela não foi feita para provocar lágrimas, mas sim para colocar o espectador em um outro lugar, o do desconforto. Ao desmontar um ambiente tido como sagrado nas sociedades tradicionais, a família, somos apresentados a uma edificação que desgraçadamente se desmorona a olhos vistos, bem na nossa frente.
Visto no Cine Art UFF, em 02 de dezembro de 2017.
Cotação: 4/5
Cotação: 4/5
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