A América não é mais para todos
Crítica de Marco Fialho
O que nos motiva a
seguir com interesse do começo ao fim de “Ninguém Está Olhando”, drama dirigido
por Julia Solomonoff, é o fato dele nos tornar cúmplices do personagem Nico,
interpretado com uma intensidade introspectiva por Guillermo Pfening. O ator
tem pleno domínio de seu personagem e nos entrega a cada cena apenas o que
interessa dele, sempre na medida certa. Esse é um caso típico de um bom filme
de personagem, que em todas as cenas lá está Nico marcando sua presença.
Inclusive só conhecemos a história por intermédio de suas ações, e o único
ponto de vista que temos é o seu, o que faz o filme crescer muito na tela.
Portanto, quando
falamos de Nico estamos falando também de um corpo, sobretudo um corpo
errático. Ele não tem casa, não tem namorado, na verdade, está em crise com
todos os seus ex. Sua relação com o trabalho está em aberto. Enfim, esse é um
corpo estrangeiro, lutando para se encaixar em um espaço que lhe é adverso.
Mas Nico não é um
personagem qualquer. Ele tem uma história pregressa, é um ator de sucesso numa
série de TV na Argentina, mas resolve tentar fazer carreira nos Estados Unidos.
É um personagem em transição, tentando o pulo do gato, disposto ao risco. Seus relacionamentos
são todos instáveis e parecem ser movidos pelo desejo estritamente carnal.
Julia Solomonoff
propõe para o filme uma narrativa simples, linear, sustentada por uma
fotografia discreta, dirige seus atores sem maiores arroubos dramatúrgicos, mas
ao mesmo tempo trata a mise-en-scène de maneira extremamente sedutora e
fluida. Assim narrativa e personagem se completam, pois ambos, se utilizam da
sedução como estratégia. Mas “Ninguém Está Olhando” está muito além de sua
forma. O filme também possui qualidades intrínsecas, consegue revelar um
personagem denso, mesmo sendo ela mais uma obra a tratar a clássica história do
imigrante tentando sobreviver em um país estrangeiro.
Um detalhe importante
é que a câmera está flagrantemente a serviço de Nico. Por isso ficamos com a
impressão de que a proposta do filme é tão somente descrever o cotidiano dele.
Mas não, aos poucos nos deparamos com um ser humano conflituado, que lentamente
vai sendo dominado pela desesperança. O filme trata da enorme dificuldade que
temos no mundo contemporâneo de realizar nossos sonhos e de como podemos lidar
com o nosso fracasso. Não à toa, Julia insere seu personagem nos Estados
Unidos, país considerado, por muitos, como o lugar ideal para realizar nossos
desejos mais grandiosos.
“Ninguém Está
Olhando” aborda com eficiência todos os problemas de um imigrante. A diretora
parece ao longo do filme trabalhar a linha tênue que tangencia o sonho e a
ilusão. Quando tudo começa a desandar, o que resta então é tentar manter as aparências.
Morar com uma amiga, trabalhar como babá são alternativas possíveis. Tal como
se fora um documentário, a câmera se movimenta na busca obsessiva por Nico,
afinal tudo gira em torno dele. Ela captura a dura realidade de um imigrante em
um país hostil, que outrora já foi mais aprazível com eles.
Mas de quebra, a
diretora não perdoa e não deixa escapar uma enfática crítica aos esquemas que
envolvem o trabalho dos profissionais da arte. Os afetos, as falsidades, os
favores (muitas vezes sexuais), o lado descartável do meio, que se resume em
“hoje você presta amanhã não”. A hipocrisia de muitos casamentos héteros de
fachada também não é esquecida , assim como o jogo sujo dos produtores que detêm o poder de levantar e arruinar
carreiras em um estalar de dedos.
“Ninguém Está Olhando”
torna-se valioso por não compactuar com esse sistema decadente e hipócrita. Por
não poupar os poderosos inescrupulosos nem os que como Nico caem na esparrela
de acreditar no sonho de açúcar que nos é vendido diariamente, que rapidamente
se transforma em desilusão. A diretora também detona a crença exacerbada no
sucesso sem limites, aquele que acredita no sucesso profissional como resultado
inexorável de todo esforço individual pelo trabalho incansável. Por um
determinado viés, o filme pode até servir como uma metáfora do fracasso, mas
felizmente vai além. Ele nos mostra que todo castelo de areia pode ser
destruído a qualquer momento sim, mas nos lembra que o ato de recomeçar pode
ser um meio eficiente de recriar incessantemente a nossa vida.
Visto no Estação Net
Rio 4, em 07 de dezembro de 2017.
Cotação: 3 e meio/5
Cotação: 3 e meio/5
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