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Mostrando postagens de julho, 2025

PATERNO (2024) Dir. Marcelo Lordello

Texto por Marco Fialho Paterno é o segundo longa de ficção de Marcelo Lordello ( Eles Voltam ), e com esse novo trabalho ele reafirma o seu talento para a direção. Escorado na larga experiência do ator Marco Ricca, o diretor radicado em Recife demonstra o quanto amadureceu rápido no domínio da narração cinematográfica. Paterno é uma obra muito bem conduzida por Lordello, que acerta em centrar a complexa trama em Sérgio (Marco Ricca) e surpreende em ir revelando a conta-gotas todo o arsenal psicológico e emaranhado que cerca o personagem.  Paterno se desenvolve pelas ações de Sérgio. A câmera gruda nele, e ao acompanhar vai abrindo um leque de possibilidades que esse personagem oferece. A princípio, pouco conhecemos sobre ele, mas cena a cena as nuances vão aparecendo e vamos assim penetrando no seu psicológico. Essa tecitura é urdida com muita competência, pois queremos a todo momento saber mais sobre Sérgio, e Lordello não decepciona quanto a isso.  Ao construir um filme de p...

NADA (2024) Dir. Adriano Guimarães

Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho O filme Nada , do diretor Adriano Guimarães com as atrizes Bel Kowarick e Denise Stutz, mergulha no universo das doenças contemporâneas causadas pelos avanços tecnológicos relacionados com a questão da memória individual e coletiva. A relação das irmãs Tereza, que mora na fazenda no interior de Goiás e Ana, artista plástica que reside em Brasília, se aprofunda com a doença de Tereza e a predisposição de Ana em ajudar a irmã que não tinha mais convivência desde a juventude, isto é, depois de passados cerca de trinta anos. A ida de Ana para a fazenda, a mergulha no universo das lembranças do passado e descortina mistérios do local, onde com a instalação de uma antena, há cerca de cinco anos, modificou a vida dos moradores. O que a princípio parecia uma vida pacata no campo, vai se revelando durante o filme uma mistura entre realismo fantástico e investigação de Ana sobre os reflexos inesperados dessa tal antena na vida de cada depoente.  A...

CLOUD - NUVEM DE VINGANÇA (2024) Dir. Kiyoshi Kurosawa

Texto por Marco Fialho Por trás da aparente superficialidade de Cloud - Nuvem de Vingança , novo filme de Kiyoshi Kurosawa, se esconde uma visão cinematográfica muito cruel acerca do mundo capitalista contemporâneo. A começar pelo título, que faz uma clara alusão às nuvens, lugar responsável pelo etéreo no mundo ilimitado proporcionado pela tecnologia. A palavra cloud também pode se associar ao aspecto sombrio do mundo, que aqui igualmente faz bastante sentido. Kiyoshi abandona as suas famosas análises familiares para adentrar na vida de Yoshii (Masaki Suda) um jovem que trabalha numa fábrica, mas que nas horas vagas revende produtos na internet. O sucesso do rapaz leva ele a pedir demissão, mesmo com o seu chefe o seduzir com contínuas propostas de promoções. Yoshii se junta com Akiko (Kotone Furukawa), sua namorada e vai viver em um bairro no meio do mato, bem afastado de Tóquio. Logo, começa a ser perseguido por intrigas inventadas por colega que quer se associar a ele para um gran...

IRACEMA - UMA TRANSA AMAZÔNICA (1975) Dir. Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Texto por Marco Fialho Iracema - Uma Transa Amazônica não deixa de ser uma obra fundadora, apesar de incompreendida e censurada em sua época de lançamento, em plena ditadura militar em 1975, tempo do ilusório lema "Brasil: ame-o ou deixa-o", que inclusive está presente no filme. O relançamento de uma cópia em 4k dessa obra-prima de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 50 anos depois, só vem reforçar a sua relevância para o nosso cinema, a atualidade temática e narrativa desse que é um filme moderno, sem medo de ousar na forma para que possamos compreender as profundezas da vida brasileira, de um Brasil que poucos conheciam então e que se revela surpreendente por captar as entranhas e os equívocos da ideia de que um desenvolvimento econômico corresponde em igual proporção ao crescimento social humano. Há um esforço, da parte dos diretores, de atualizar a visão romântica no livro de José de Alencar (por isso não se pode crer que o nome Iracema seja casual), dar uma nova feição a rel...

APOCALIPSE NOS TRÓPICOS (2024) Dir. Petra Costa

Texto por Marco Fialho Em Elena  (2012)   e O Olmo e a Gaivota (2014), a diretora Petra Costa inicia sua jornada no campo cinematográfico com documentários que atritam com o universo ficcional e pessoal, duas fronteiras sempre movediças para quem se aventura partir de algum fato relacionado à vida cotidiana. Depois, a diretora adentrou sua experiência em narrativas que se embrenharam pelo documentário político, como Democracia em Vertigem (2019), e agora com Apocalipse nos Trópicos ( 2024).  Só que Petra Costa não se contenta em filmar apenas um documentário político. O que ela faz é inserir, como já fez outros filmes anteriores, sua própria voz em off para falar de sua experiência com os personagens e dissertar como vê cada tema e imagem produzida. O efeito prático desse movimento é um acréscimo significativo de subjetividade a embalar fatos mais do que objetivos, mas reconhecidos por todos os brasileiros que vivenciaram os acontecimentos políticos dos últimos 10 anos d...

FILHOS DO MANGUE (2025) Dir. Eliane Caffé

Texto por Marco Fialho O lançamento de um filme da diretora Eliane Caffé (dos renomados  Narradores de Javé , Kenoma e Era o Hotel Cambridge ) sempre envolve uma expectativa. O seu novo trabalho, Filhos do Mangue talvez seja o seu filme menos empolgante. A ideia não é desinteressante e tão pouco foge da linha de trabalho da diretora. O maior problema do filme, ao meu ver, está na combinação de alguns elementos dramatúrgicos que não dão a liga necessária.  Não é a primeira vez que Eliana Caffé trabalha unindo atores profissionais com personagens vindos de uma determinada realidade. Fez isso com Era o Hotel Cambridge , por exemplo, e o resultado foi dos mais felizes. Em Filhos do Mangue , o componente mais complexo está justamente na escolha de Felipe Camargo como protagonista da trama, que destoa do restante do elenco vindo de uma comunidade que sobrevive dos produtos extraídos do ecossistema de uma região litorânea, que inclui ainda um manguezal.  O roteiro, desenvolvido...

YÕG ÃTAK: MEU PAI, KAIOWÁ (2025) Dir. Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luísa Lanna

Texto por Marco Fialho Confesso o quanto é cada vez mais complexo analisar um filme como Yõg Âtak: Meu Pai, Kaiowá , dirigido por Sueli Maxakali, Isael Maxakali, Roberto Romero e Luísa Lanna. O cinema realizado por indígenas, mesmo quando em parceria com brancos, vem demonstrando uma faceta cada vez mais própria desde que diversas nações indígenas se apropriaram dos aparatos e equipamentos de filmagem do homem branco para criar uma linguagem audiovisual condizente com as narrativas orais e tradicionais, traços fundamentais dessas culturas ancestrais, povoadas de mitos e saberes perpassados de uma geração a outra durante séculos.  Inclusive, Yõg Ãtak: Meu Pai Kaiowá mexe com questões ligadas à contínua agressão dos costumes ancestrais desferidos pela nossa avassaladora e ambiciosa cultura branca. O que mais se nota nesse filme é o quanto essa cultura vem se deteriorando por meio de uma dispersão territorial contínua dessas nações cada vez mais aculturadas, como se a cada novo filme ...