Texto por Marco Fialho
Paterno é o segundo longa de ficção de Marcelo Lordello (Eles Voltam), e com esse novo trabalho ele reafirma o seu talento para a direção. Escorado na larga experiência do ator Marco Ricca, o diretor radicado em Recife demonstra o quanto amadureceu rápido no domínio da narração cinematográfica. Paterno é uma obra muito bem conduzida por Lordello, que acerta em centrar a complexa trama em Sérgio (Marco Ricca) e surpreende em ir revelando a conta-gotas todo o arsenal psicológico e emaranhado que cerca o personagem.
Paterno se desenvolve pelas ações de Sérgio. A câmera gruda nele, e ao acompanhar vai abrindo um leque de possibilidades que esse personagem oferece. A princípio, pouco conhecemos sobre ele, mas cena a cena as nuances vão aparecendo e vamos assim penetrando no seu psicológico. Essa tecitura é urdida com muita competência, pois queremos a todo momento saber mais sobre Sérgio, e Lordello não decepciona quanto a isso.
Ao construir um filme de personagem, Lordello vai pinçando outras facetas tanto da família de Sérgio quanto dos meandros que conformam a sociedade pernambucana. As agruras do processo político brasileiro, com suas camadas de poder e lama são descortinadas por encontros onde vereadores e empresários fazem negócios escusos, cujos os maiores prejudicados são a população mais humilde, justamente aquela que mais carece da atenção do poder político. É bastante interessante como política se constrói por meio da influência de famílias que há séculos comandam a esfera de poder.
O roteiro de Paterno, desenvolvido pelo próprio Lordello e pelo premiado Fabio Meira, é marcado por sutilezas nos encadeamentos lógicos que primam em emaranhar personagem conflituado, família tradicional privilegiada e sociedade excludente. Tudo isso muito bem amarrado numa sólida construção dramatúrgica da direção em saber extrair de cada ator e situação camadas significativas. Como um bom filme pernambucano, Paterno sabe catucar o tema da especulação imobiliária e da gentrificação dos bairros que circundam as praias centrais de Recife. É evidente o diálogo de Lordello com os filmes recifenses de Kléber Mendonça Filho, como Aquarius (2016) e Som ao Redor (2012), em especial pela denúncia dos processos de expansão de uma burguesia gananciosa e empreendedora.
Mas creio que o maior mérito de Paterno seja o desenvolvimento do personagem Sérgio. Primeiro o conhecemos como especulador imobiliário, negociando implacavelmente com moradores de um bairro modesto situado perto da praia, querendo tirar deles o maior lucro possível na compra de seus imóveis. Entretanto, depois vamos lentamente conhecendo as contradições do personagem, que tenta dar ao filho a mesma formação que teve de seu autoritário pai.
Essa família tipicamente recifense, branca e considerada "do bem", também é desconstruída quando conhecemos a constituição de outra família formada pelo pai com uma ex-aluna da faculdade, que depois se transforma em uma professora e colega de universidade, amante, tendo um filho com ela. Lordello se mostra atento a essas contradições hipócritas dessa família aparentemente certinha e modelar.
É interessante o quanto Paterno nos agracia com os projetos fracassados de Sérgio e vamos testemunhando os projetos de vida antigos e utópicos sendo esmagados pelos interesses financeiros dos negócios imobiliários da família. E Lordello nos oferta esse processo pelo olhos do filho, que assalta sua discoteca de juventude para ouvir as canções libertárias de Chico Buarque, Belchior e Milton Nascimento. Ao ver o filho ouvir essas músicas, Sérgio vê o quanto se distanciou desse passado estudantil de menino contestador.
Mas o que seria de Paterno sem a presença marcante de Marco Ricca, com sua sapiência de ator experimentado, capaz de transmitir as crises psicológicas de seu personagem. A presença do pai doente, e mesmo depois de morto, funciona como um fantasma a lembrar do papel que esse personagem precisa desempenhar no presente, cuja a presença do irmão mais velho está ali para lembrá-lo da importância da manutenção do poder econômico da família. Lordello caminha sua narrativa explorando os espaços de poder e de frustração do personagem, mostrando o quanto é duro ter que viver sem autonomia e pressionado pela situação social de sua família. Por isso, Paterno é um baita inventário melancólico de uma família tipicamente da elite recifense, e porque não dizer, brasileira.
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