Pular para o conteúdo principal

O PRISIONEIRO DA ILHA DOS TUBARÕES (1936) Direção John Ford


Sinopse:
Em 1865, poucas horas depois do assassinato do Presidente Abraham Lincoln, o Doutor Samuel Mudd ajuda um homem que se apresenta com a perna quebrada. Logo depois o médico é acusado de ser cúmplice do plano de morte do presidente e a seguir é condenado à prisão perpétua na terrível e temida Ilha dos Tubarões. Apesar dos maus tratos que sofre no presídio, o médico é consciente de sua inocência e espera por uma redenção.   

Texto de Marco Fialho

"O prisioneiro da Ilha dos Tubarões" (1936) é um filme sobre a injustiça. Doutor Mudd é condenado por ter socorrido um homem com a perna quebrada, fato corriqueiro para um médico, não fosse esse homem o assassino do presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln. O médico, é claro, desconhecia essa importante informação quando realizou o atendimento ao assassino. 

O assassino é logo morto e toda a ira popular recai sobre os oito suspeitos de serem cúmplices e que são rapidamente tomados como culpados e devem pagar pelo terrível crime de assassinato ao presidente. Doutor Mudd é o único que não é executado à morte, mas é condenado à prisão perpétua e levado para a Ilha dos Tubarões, localizada no meio de um oceano. 


O nome do Doutor Mudd torna-se conhecido entre todos os que trabalham no presídio. Para todos, trata-se de um dos assassinos do presidente Lincoln. John Ford mostra-se fantástico como diretor em sua narrativa ao revelar ao espectador os duros percalços de um inocente. Um dos pontos mais cruciais para a narrativa clássica, a identificação do público com o herói, já está desde cedo estabelecido. Porém, Ford não para por aí, ele avança mostrando o esforço do Doutor Mudd para se livrar desse torturante momento e transferindo a angústia do personagem para o espectador, pois nada sensibiliza tanto quanto ver um pai afastado injustamente do convívio dos familiares. 

Até a condenação de Doutor Mudd a narrativa de Ford permite a colocação de falas e trechos cômicos, mas a partir da chegada dele na prisão de segurança máxima o tom se modifica e o drama e a aventura se misturam. Assim como Ford, Mudd e sua família são simpatizantes dos confederados  e a todo momento essa postura se sobressai (como se por natureza, o fato de ser um confederado o livrasse de ser também criminoso), o discurso ianque se sobrepõe como predominante e intolerante. Ford introduz frases ambíguas como "o juiz é ianque, mas é honrado.


Uma esperança para a fuga de Doutor Mudd acontece quando um de seus empregados fiéis vai trabalhar no presídio para poder ajudá-lo. Mas uma mera fuga não seria um caminho legítimo para um inocente. O que encaminhará a liberdade do Doutor Mudd é uma implacável epidemia de febre amarela, tão devastadora que mata o médico do presídio. A alternativa de salvação é apelar para o médico preso. Como um verdadeiro herói, Doutor Mudd enfrenta tudo, mosquitos, um levante de soldados, uma pilha de doentes, tempestades, o próprio navio do governo, que se nega a prestar socorro as vítimas, enfim, todas as adversidades inimagináveis para controlar a febre amarela. 

No cinema clássico, caso exemplar desse ótimo filme de Ford, o herói precisa superar obstáculos aparentemente intransponíveis aos simples mortais para provar ao público o caráter predestinado dos homens de bom caráter. E Ford não poupa recursos cinematográficos para viabilizar a sua proposta estética: abusa da música como elemento de emoção, da montagem linear do tempo, da fotografia e da direção de arte naturalistas. É Ford se construindo como mestre imbatível da narrativa clássica.       

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...