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MÚSICAS QUE HABITAM EM MIM - N° 5 - Até o fim, Chico Buarque


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As peripécias de um anjo safado embalado pelas canções de Chico   

Música e política - Parte 2 

Texto de Marco Fialho

Tem artistas que se inserem perfeitamente na definição de lenda. Para mim, Chico Buarque sempre foi um desses casos, a força que irradia das canções dele o extrapolou de muito, o que ele representa para o país excede a tudo o que podemos imaginar ou tentar delimitar. Sei que não sou o único a sentir isso em relação a ele. A sua voz esganiçada tornou-se a do coletivo e esse é o maior poder mítico que uma pessoa pode conquistar na arte. Não que o dito cujo faça questão de assim se nomear, mas porque seus feitos assim o elevaram a isso. Essa crônica seria para falar de mim, embora ao falar da música dele me sinto simbolicamente representado. As lutas que encampou e as canções que compôs refletiram continuadamente sobre a história do país que vivi e ainda vivo. Fora o eu lírico que de tão expressivo tantas vezes falou de mim mesmo: "quando eu nasci veio um anjo safado, um chato de um querubim, que decretou que eu estava predestinado a ser errado assim". Esse trecho inicial da canção "Até o fim", que abria o lado B do disco de 1978, poderia perfeitamente abrir uma autobiografia minha, tais os ecos dela que repercutem sobre a minha trajetória de vida.

As cores vindas da música de Chico me conectam diretamente as cores do bairro do Grajaú, zona norte do Rio, um dos mais aprazíveis da cidade lá no final dos anos 1970 e início dos anos 1980. Foi ali, entre ruas arborizadas da Av. Engenheiro Richard e da Av. Julio Furtado que eu me descobri enquanto ser político e empoderado. Lembro do encanto que a Praça Edmundo Rêgo me despertou quando eu a vi pela primeira vez, no dia em que mudei para o bairro e meus pais foram à padaria. O Brasil caminhava para a abertura política (mesmo que lenta e gradual) e as primeiras eleições diretas para o Governo do Rio em 1982, depois de quase vinte anos de governos biônicos (escolhidos pelos ditadores militares) tornou-se um evento que podia mudar o país e aqui no Rio o ex-Governador do Rio Grande do Sul, Leonel de Moura Brizola, lançou candidatura, o que reacendeu os ânimos da política carioca, até então dominada pela política da bica d'água do chaguismo (Chagas Freitas, ex-governador biônico). O Grajaú era um bairro de classe média típico, embora a presença de muitos artistas fez fama de ser esquerdista. 

Bem, eu estava então no lugar certo e tudo isso me empolgava demais. O disco do Chico de 1978 (que eu chamava de Feijoada Completa, devido à música de abertura) não parava de tocar no meu aparelho e as músicas todas reforçavam o óbvio para mim naquele contexto: derrubar o regime militar, lutar por eleições livres e transformar a situação econômica do país que ia de mal a pior. Cada canção desse disco representava tudo o que eu queria aniquilar e me acendia um sonho por um outro futuro, que parecia estar muito próximo de mim e de todos. O disco de Chico gritava por justiça e liberdade de expressão, onde a canção "Cálice" soava para mim como sagrada: "como é difícil pai abrir a porta, essa palavra presa na garganta (cale-se). Esse pileque homérico no mundo, de que adianta ter boa vontade, mesmo calado o peito, resta a cuca, dos bêbados dos centro da cidade". "Cálice" entoava como um cântico de guerra, todos queríamos falar de política, estávamos engasgados e sufocados pelos anos de tirania. Mesmo ainda sem poder votar, pois eu era menor de idade, me lancei de cabeça nessa eleição para governador, indo planfletar todos os dias nas ruas da Tijuca, Grajaú e Vila Isabel. A energia pulsava de tal forma que eu achava que alguma mudança muito grande estava por vir. A euforia adolescente tomou conta de mim e como era potente achar que poderia mudar o mundo a partir do meu bairro. Esse sentimento eu nunca mais voltaria a ter, com a força que tinha naquele momento, eu com 16 anos tentando convencer a todos na rua de que um governo de Leonel Brizola transformaria radicalmente nossas vidas.

Em 1979, já caminhando para os 14 anos, estudava ainda na Escola Municipal Affonso Penna, no Andaraí, mesmo já morando no Grajaú, o que me forçava ir de ônibus para o colégio. Já indo para o final do meu curso ginasial (atual fundamental), a escola era para mim um lugar interessante por eu ser um veterano, já estava há oito anos por lá, desde o C.A (classe de alfabetização) e na altura do campeonato já tinha passado por muita coisa por ali. O ensino em si era bom só em português, não havia história, que junto com geografia estava inserida em Estudos Sociais. Na prática, nada de história era ensinado, lembro que decorávamos capitais dos países, divisão dos blocos socialista e capitalismo, efemérides e nada era aprofundado, conteúdo curricular totalmente manipulado pelos militares, cujos estudos eram voltados para a moral e cívica e o OSPB (Organização Social e Política Brasileira), dois arremedos da ditadura a incutir valores conservadores de patriotismo, carolice e família. Lembro que quando fui para o ensino médio em uma escola particular, a minha primeira nota em história foi zero. Não entendia muito aquele tipo de aula discursiva, era muito complexa, precisava ouvir e entender o professor explicando como se constituía a sociedade no período colonial e vários conceitos como o de colonização, escambo, relações internacionais. Mas lembro que já na segunda prova comecei a ler as apostilas e tudo foi fluindo, até que me tornei um ótimo aluno de história ainda no primeiro bimestre. Comecei a compreender que muito do que se falava nas músicas tinham relação com os conteúdos de história, a forma crítica com a qual os compositores tratavam os assuntos, sempre interrogativos. O método era parecido, assim como as crônicas que eu adorava ler, de Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e Fernando Sabino. Notei que nas artes em geral havia sempre um tom crítico ao mundo tal como ele era. Não se aceitava as desigualdades, as injustiças sociais, a fome e a ignorância. Tudo estava ligado, parecia haver uma espécie de antena que conectava quem vivia nesse universo artístico. E isso me fascinou. 

O disco do Chico me acendia muitas curiosidades. Lembro que na linda canção "Trocando em miúdos" havia um verso que dizia "Aliás, aceite a ajuda de seu futuro amor, pro aluguel. Devolva o Neruda que você me tomou, e nunca leu". Por mais que a música falasse de um tema romântico, da separação de um casal, a inserção de Neruda confere um outro significado à canção. Meu pai tinha um livro do poeta chileno, "Canto geral", eu sabia dessa implicação do poeta às ideias políticas do comunismo e logo fiz a associação na música de Chico. Lembro que eu adorava (e ainda adoro) o sarcasmo dessa letra. Fora o início pé na porta da música, apesar do aspecto refinado: "Eu vou lhe deixar a medida do Bonfim, Não me valeu. Mas fico com o disco do Pixinguinha sim, o resto é seu". Mais uma vez, Chico Buarque "debocha" da ex-esposa lhe devolvendo a medida do Bonfim, mas novamente se utiliza de um bem cultural como forma de manifestar uma mágoa pela separação, aqui o disco de Pixinguinha. Há uma dor profunda impregnada em toda essa música que fica evidente nos versos finais: "Eu bato o portão sem fazer alarde, eu levo a carteira de identidade, uma saideira, muita saudade. E a leve impressão de que já vou tarde". 

Mas esse ar de tristeza estava não só na música, espraiava-se por todos os lados e pelos nossos poros. Curiosamente, uma das música do disco que mais toca nesse assunto é a cubana "Pequeña serenata diurna", de Silvio Rodrigues. O tema dessa canção é o próprio desejo de felicidade. Tem um final lindo, apesar de profundamente triste: "Soy feliz, Soy un hombre feliz, Y quiero que me perdonen, Por este dia, Los muertos de mi felicidad". Mas não só de tristeza se vivia à época. Assim como hoje, tempo que igualmente a morte vive a nos rondar, a esperança estava presente como sobrevivência à ditadura militar. A canção "Tanto mar" fala dessa vontade de mudar a sociedade. A música está a se referir à revolução socialista dos cravos (1974), ocorrida em Portugal, mas não deixa o Brasil de fora: "Foi bonita a festa pá. Fiquei contente ainda trago renitente um velho cravo para mim. Já murcharam tua festa pá, Mas certamente esqueceram uma semente em algum canto de jardim...Canta a primavera pá, cá estou carente, manda novamente algum cheirinho de alecrim". Creio que poucos discos possam representar tão bem o clima político do final dos anos 1970 e início dos 1980. Uma ânsia imensa pela redemocratização e a luta por profundas transformações sociais. Chico se tornou um guardião espiritual dessas ideias e pensamentos. Chico representava o que havia de mais intenso e profícuo na intelligentsia brasileira de então. Frente a brutalidade do sistema tínhamos artistas na ponta da resistência, capazes de expressar simbolicamente a indignação e a crítica contundente ao horror que era toda aquela situação. 

É necessário reconhecer como Chico Buarque adotou a coragem como meio de vida. Apoiado pela notoriedade e a respeitabilidade de seu sobrenome, o artista pode realizar um disco forte a confrontar o regime militar. A beleza crua de algumas músicas ressoavam como um grito de revolta, por mais que trouxessem uma dor dilacerante, caso de "Pedaço de mim", canção ícone das mães que haviam perdido seus filhos nos porões dos DOI-CODI, um lamento preciso, com endereço certo: Oh pedaço de mim, oh metade arrancada de mim, leva o vulto teu, que a saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto, do filho que já morreu". Como, depois de ouvir essas canções, não querer mudar o estado das coisas por aqui. O tanto que prezo pela democracia vem dessa época da minha juventude, onde a ausência dela doía no fundo mais fundo de nossa alma. Não à toa, mesmo sem poder votar fui às ruas para ajudar a mudar a barbárie que vivíamos naqueles anos. Celebrávamos a beleza, a poesia, porque elas são as grandes inimigas do horror político, e ainda o é, e sabemos muito bem disso em 2022. Lutar sim, mas jamais esquecer que sem a expressão livre da arte não avançaremos enquanto sociedade. 

Durante o período do meu ensino médio (1980-82) continuei me dedicando muito ao futebol, que sempre me acompanhou, era muito comum ir assistir aos jogos do Flamengo no Estádio do Maracanã, numa época áurea do clube, campeão do mundo em 1981. Como reflexo dessa paixão, jamais deixei de brincar de botão de mesa, fazia campeonato com alguns amigos e vizinhos, embora os intervalos sempre acabavam em discussões sobre a política do país. Um dos nossos amigos, já universitário, criou uma revistinha de cartuns, só à base de papel A4 e nanquim, cujos temas políticos eram os mais habituais. Na empolgação, até eu que era nulo na arte de desenhar, cheguei a fazer um cartum antibelicista, embora consciente que seria uma participação pra lá de esporádica, devido à falta completa de talento que eu tinha para o desenho. Essa parte lúdica estava bastante presente e o nosso apartamento na rua Araxá propiciava essa necessidade de nutrir sonhos e esperança. Deve ter sido a minha época mais musical, lembro que escutava muita música, e alta, a ponto de alguns vizinhos jogarem indiretas para eu baixar. Adorava os cantores nordestinos, eles estavam muito em voga mesmo. Zé Ramalho, Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Djavan (Belchior nessa época ainda não) eram os mais tocados no nosso mais novo aparelho gradiente, que era uma das primeiras linhas digitais lançadas no Brasil, com caixas acústicas grandes. O som era muito mais nítido e alto, comparado com as antigas vitrolas dos anos 1970, cujos altofalantes vinham acoplados em um corpo do móvel, pois eram um tipo de armário. 

Eleger Leonel Brizola em 1982 foi encarado como uma vitória e tanto, pois até o dia da eleição a ameaça da derrota sempre existiu. Havia um esquema de fraude montado para não dar a vitória para o nosso guru gaúcho, contabilizando todos os votos brancos e nulos para Moreira Franco, o candidato representante da ditadura militar. O caso ficou conhecido como escândalo da Proconsult, empresa que faria a totalização dos votos na apuração. Havia ainda uma luta maior, a das eleições presidenciais pelo voto direto. Como é de conhecimento geral, haveria uma campanha que iniciou com a luta pela abertura política, com a volta do exílio de grandes artistas, professores, políticos e intelectuais. Depois viria a campanha das Diretas Já, de 1983 até 1984, que culminou em um grande comício no Rio e São Paulo. As eleições diretas só viria em 1990, com a vitória de Fernando Collor de Mello sobre Lula, o que jogou novamente uma ducha fria nas esperanças de transformação do país. A sensação da vitória de Collor era a de continuar na ditadura, agora com o voto direto, foi pesado ter que viver esse revival antes mesmo de ter saído dela, mas essa situação desastrosa podia conter o gérmen do estrago que a ditadura militar proporcionou para o país. Na época, apenas não sabíamos que viveríamos uma tragédia maior como a de hoje, com a vitória de um candidato que exaltasse tanto a tortura quanto a volta desse período canhestro iniciado lá em abril de 1964.   

Foi nesse contexto que a música "Apesar de você", que fecha o LP de 1978, viria a se transformar em uma espécie de hino político dessa época. Não à toa, essa mesma música é entoada novamente hoje, como referência ao pesadelo que vivemos desde a eleição presidencial de 2018 e a esperança de por fim ao desastre que se impôs por meio de mentiras e todo o tipo de violência que se instalou nos meandros da sociedade, um tipo de banditismo calcado na ideia de milícia, que tomou conta de tudo, até das mídias sociais. Diz a canção: "apesar de você, amanhã há de ser outro dia" e nos seguramos a essa ideia de que todo esse horror vai passar. E continua a canção a dizer: "quando chegar o momento, esse meu sofrimento, vou cobrar com juros, juro. Todo esse amor reprimido, esse grito contido, este samba no escuro. Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar. Você vai pagar é dobrado, cada lágrima rolada, nesse meu penar." Sim, a atualização de uma música pode ser belo, mas também trágico por nos remeter a algo que tínhamos como superado. É terrível ter que ver a morte de indígenas, pretos, indigenistas, jornalistas, animais de toda a espécie, a nossa flora toda se queimando pela ganância de uns, pelo incentivo institucional que condena os quilombolas (urbanos e rurais) e as reservas indígenas. Como diz a canção de Chico, tudo isso precisa ser cobrado em algum momento, a impunidade tem que acabar, a que vem de cima a dar o mal exemplo. Sim, nunca o hoje me remeteu tanto ao passado e novamente a esperança precisará superar o horror que se alastrou do social para a política. 

E mais uma vez a arte de Chico nos acende a esperança. Há poucas semanas antes dessa crônica ser lançada, o artista nos oferta a música "Que tal um samba?", que assim como "Apesar de você", reflete o duro momento político atual, marcado pela mentira compulsiva e pela violência fascista de grupos que anseiam por aniquilar os oponentes, tal como aconteceu com Bruno e Dom Phillips, Marielle Franco e agora Marcelo Arruda, entre tantos que ocorreram no país pós-2018 e outros que transcorrem cotidianamente com os pretos nas periferias e com os indígenas nas reservas demarcadas. Um dos trechos da canção de Chico diz assim: "juntar os cacos, ir à luta. Manter o rumo e a cadência, esconjurar a ignorância, que tal? Desmantelar a força bruta. Então que tal puxar um samba, puxar um samba legal, puxar um samba porreta, depois de tanta mutreta, depois de tanta derrota, depois de tanta demência e uma dor filha da puta, que tal?". E assim caminharemos, na luta por uma sociedade mais inclusiva e coletiva, onde os interesses privados não suplantem os públicos. Obrigado Chico, por me fazer ainda acreditar que essa sociedade é possível, nem que precisemos recomeçar inúmeras vezes esse processo. 

Link abaixo do Spotify da música "Que tal um samba?"

https://open.spotify.com/track/6XqbqeZl7YwPLcWsp8sLOk?si=SsSzt7vsRMat6EJRhBwsgw&utm_source=copy-link

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