Sinopse:
Jina, que trabalha no centro de atendimento telefônico de uma empresa de cartão de crédito, evita relacionamentos íntimos, escolhendo viver e trabalhar sozinha. Quando seu vizinho irritante é encontrado morto, os relacionamentos que Jina decidiu ignorar no passado começam de repente a incomodá-la.
Os fantasmas do mundo comandado pelo sistema financeiro
Texto de Marco Fialho
"Aloners" contorna um tema dos mais caros à contemporaneidade: a da vida solitária. Inicialmente, o filme até aponta para uma contundência, mas que vai arrefecendo no transcorrer da obra da jovem diretora Hong Sung-Eun. A personagem central é Jina (interpretada por uma ótima Gong Seung-Yeon), uma mulher jovem e eficiente que trabalha em um serviço de teleatendimento de uma operadora de cartão de crédito. As conexões entre vida solitária da protagonista e esse trabalho que quer passar uma imagem de que o cliente está sendo cuidado pela empresa são o ponto alto da obra Sung-Eun. Uma pena que a diretora se deixe levar por algumas facilidades na hora de elaborar o desfecho da história.
A diretora Sung-Eun realiza uma artesania interessante ao construir a atmosfera do filme desde o início da narrativa, a enriquecendo com os oportunos silêncios quebrados pelos sons tecnológicos que utilizamos para disfarçar ou suportar a solidão do mundo contemporâneo. São televisores, e especialmente celulares, os nossos acompanhantes ideais nesse mundo onde estamos desolados e mergulhados na solidão. O trabalho como o espaço de ocupação da vida, que relega à família um lugar para lá de secundário. Não casualmente, a imagem é tomada tanto pelas cores pálidas e sem vida dos figurinos dos personagens quanto a dos cenários dominados pela austeridade e funcionalidade. O apartamento de Jina é o mais sem graça possível, com vários cômodos vazios, tendo apenas mobília no quarto.
Pode-se dizer que "Aloners" é a crônica de Jina, uma jovem assolada pelo trabalho e vivendo uma rotina francamente antissocial, a ponto de demorar a perceber que um vizinho de porta está morto há mais de uma semana. O filme mostra um viver miserável, não pela falta de dinheiro, mas pela falta de perspectiva em relação à própria vida. Jina não se relaciona com ninguém, é uma tábula rasa social. A fotografia significante de Choi Youngki, capricha na ambiência fantasmagórica do prédio e do apartamento de Jina. Esse flerte do filme com as narrativas do horror, em que fantasmas e escuridão convivem quase que harmoniosamente, levam o espectador à reflexão o quanto a vida de hoje está saturada por imagens de câmeras que interrogam se escolhemos viver como fantasmas, assistindo sempre as pessoas por vídeos ou áudios.
"Aloners" estabelece conscientemente esse vínculo entre meios de comunicação tecnológicos e solidão, embora n0ão se possa dizer que a obra busque uma relação determinista entre as duas coisas. Os celulares hoje estão tão entranhados na vida contemporânea que não é adequado desconectá-los das próprias ações humanas. Eles são unha e carne nesse processo da solidão, eles aparentemente suprem as nossas necessidades básicas de convívio humano e esse aparentemente deve ser muito sublinhado aqui. Por isso insisto na ideia de "Aloners" ser uma crônica fantasmagórica de nosso mundo, de tentar discutir o que estamos fazendo com as nossas vidas e como estamos construindo nossas relações humanas. Jina mostra-se como uma mulher fria, que assim interage com a família e colegas de trabalho por se ver como uma pessoa autossuficiente. Enquanto paralelamente, o vizinho morre soterrado pelas revistas pornográficas.
Sung-Eun trabalha com os principais vetores da contemporaneidade: as frágeis relações familiares, o tempo escasso e o mundo dominado pelo sistema financeiro. Sim, precisamos olhar e pensar "Aloners" a partir da ótica do mundo das grandes corporações, da eficiência programada e dos valores pelos quais estamos sendo regidos atualmente. Os escritórios frios, divididos em baias onde os corpos estão tão próximo fisicamente, contudo espiritualmente cada vez mais distantes. Somos duros e frios com quem busca contato conosco, uma espécie de criminalização do contato. Jina se revolta com a chefa quando essa lhe pede que treine uma nova funcionária e a rechaça de todas as maneiras possíveis, numa reação de franca fobia social.
Na verdade, não sabemos se os grandes fantasmas da vida de Jina são os que morreram à sua volta ou os que ainda pensam que estão vivos. E essa equação não fecha, porque o principal é saber se temos ou não uma vida ou se apenas pairamos sobre o mundo, enquanto as grandes corporações se inundam de dinheiro. Por isso não considero aleatório a escolha feita por Sung-Eun do filme se passar em um mundo de telemarketing passivo de uma operadora de cartão de crédito, onde os clientes ligam em vão, e por isso insanos, em busca de terem de volta o que lhes retiraram de maior valor na vida: as relações humanas, os vínculos interpessoais.
Hong Sung-Eun perde muito da contundência do filme nas partes finais quando tenta aliviar as dores de Jina, a propondo um caminho de reconciliação, que soa muito como autoindulgência, porque as soluções para os problemas contemporâneos não são tão simples quanto Sung-Eun quer mostrar. O sistema e seus valores de prosperidade duvidosos estão tão enraizados em nossas vidas, pois estão ligados às necessidades de sobrevivência cotidiana, que torna tudo muito complexo, basta ver que os pais de Jina a retiram da herança por estarem imbuídos dos valores e da ética vigentes.
Embora a diretora mostre muita sensibilidade na abordagem do tema da solidão, inclusive avançando muitas vezes no seu aprofundamento na primeira parte do filme, escorrega quando alcança os momentos finais, enfraquecendo a visão crítica de antes ao tentar dar um desfecho forçado que aponta para uma superação individual de um problema sistêmico bem mais amplo, tecido lento e historicamente, com teias que nos emaranham a todo o corpo e nos dificultam um simples desvencilhamento.
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