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A PIOR PESSOA DO MUNDO (2021) Direção de Joachim Trier


Seguindo fórmulas de sucesso 

A primeira ideia que podemos pensar sobre "A pior pessoa do mundo" é o quanto inusitado esse filme vai se revelando. Tudo poderia ser estranho, afinal estamos diante de uma personagem forte e em um primeiro momento disposta a tudo, mas Joachim Trier, a cada cena toma os caminhos mais previsíveis para ela. O invólucro é bem apresentado: os planos são ágeis, o roteiro é eficiente e os atores mais ainda, e tudo emoldurado por uma temática interessante, a da relação amorosa e de trabalho da geração millennials ou se preferir da geração Y (nascida entre 1985 - 1999). O filme narra a conturbada história de Julie (vivida pela ótima atriz Renata Reinsve), uma mulher jovem que busca a felicidade, o amor e uma profissão na qual tenha aptidão, não necessariamente nessa ordem. Trier se utiliza de fórmulas bem conhecidas para atingir o sucesso e as realiza dentro da esperada competência.

"A pior pessoa do mundo" durante toda a projeção se equilibra narrativamente entre pontos positivos e negativos, mas é necessário reconhecer que ao final os primeiros se sobressaem aos segundos, pois a intenção de Trier era fazer um produto cinematográfico leve, bem-acabado e que prendesse a atenção de todos, aliás como faz um ótimo comercial de TV. Em vários momentos o verniz publicitário do diretor Joachim Trier incomoda quando aparece sistematicamente na superfície do filme, mesmo que por baixo dessa camada mais digerível e palatável possamos vislumbrar uma sustança interessante. Diretor de obras consistentes, amargas e mais secas como "Oslo, 31 de agosto" (2011) e "Thelma" (2017), agora alça um voo mais baixo para dialogar com um público mais amplo, mas sem abrir mão de elementos surpreendentes de roteiro, mas os amenizando na direção (o final é um bom exemplo, de inserção de uma leveza que até então Trier não havia realizado em sua carreira). Em perspectiva, Trier sempre teve em mente que realizar um filme em um país de altos índices de IDH como a Noruega seria um desafio, pois como se explicaria a infelicidade de alguém nesse contexto repleto de bonanças? Mas em "A pior pessoa do mundo" essas expectativas parecem infelizmente estar mais amenizadas do que nas obras anteriores.


Se a dinâmica do filme busca atrair o espectador para a sua teia narrativa, esses artifícios por vezes reiteram ideias já ditas anteriormente. Trier insere uma narração em off em terceira pessoa que retira a força de algumas cenas, assim como um desnecessário e insistente uso de uma câmera na mão que gera instabilidades impróprias, como em momentos em que a protagonista conversa com o namorado amenidades e a câmera fica a balançar. A divisão em capítulos também gera um didatismo a mais à trama, por sugerir guiar insistentemente os rumos da história para o espectador. O anúncio temático dos capítulos prepara o nosso emocional para o que vamos assistir e soa como um elemento de mitigação. 

Como obra, "A pior pessoa do mundo" busca comunicação e identificação com o espectador, em especial por construir Julie como uma personagem autodeterminada, sem medo de arriscar relações amorosas, trabalho e de não titubear quando o assunto é se ter ou não um(a) filho(a). Nos conectamos com ela logo de cara e assim vamos até o final. Tanto o marido quanto o amante estão sempre a reboque dela, como se numa dança, Julie conduzisse os dois ao seu bel-prazer, assim como o próprio público. As técnicas publicitárias auxiliam Trier a se aproximar de nós, usando sempre com habilidade a edição das imagens (cortes ágeis que fragmentam bastante o tempo e a cena) e uma fotografia despojadamente clean, sem esquecer de adicionar às cenas músicas aprazíveis, certeiras para realizar essa conexão tão almejada com o espectador .


Há para destacar pelo menos duas sequências belíssimas no filme, embora elas estejam muito amparadas por uma concepção publicitária já explanada acima: uma quando o mundo paralisa aos olhos apaixonados de Julie, e uma outra, em que Julie mergulha no mar convulsionado de um alucinógeno. Nelas Trier consegue mostrar uma habilidade incomum para criação de imagens impactantes, realizadas na medida para impressionar a audiência, mesmo que fique à impressão que estamos em um anúncio de desodorante ou de um produto de emagrecimento. E não podemos esquecer a trilha musical bastante convincente e atrativa que conta com uma agradável surpresa brasileira no final. São truques que o experiente Trier se utiliza para levar o seu filme para onde almeja desde o início: ganhar a plateia para a sua história. Como então não se deixar levar, quando se tem uma personagem forte, carismática e repleta de reviravoltas na vida como Julie, tendo um invólucro tão bem azeitado?    

A todo momento, o filme pende ora oscilando para o romance ora para o drama. É nessa corda bamba que Trier organiza "A pior pessoa do mundo", embora o roteiro (do próprio Trier junto com o habitual colaborador Eskil Vogt) caminhe com eficiência entre as contradições inerentes à geração Y. Os conflitos advindos principalmente das relações entre Julie e seus dois parceiros amorosos são os que nos seguram à trama. Se Julie não consegue aportar em uma profissão, ela tenta se segurar pelas relações. Mas a vida tem suas surpresas, pois quando ela consegue se aprumar como escritora é o amor que a deixa balançada. Apesar de não esquecer de desenvolver os envolvimentos sexuais dos personagens, inclusive os apelativos e adolescentes jogos de sedução entre os personagens, Trier não reduz a história apenas a eles, sendo capaz de discutir o valor da amizade como um ponto crucial para uma convivência satisfatória entre as pessoas, levando em conta o contexto de uma sociedade assentada no bem-estar econômico. 


Mas em "A pior pessoa do mundo" o acabamento caprichado acabam por escamotear um aprofundamento maior na personalidade de Julie, tudo em vira uma espécie de flashes mal explorados pela direção, pois a riqueza dos personagens estava toda ali muito bem alinhavada pelo roteiro. Se a Noruega como país oferece estabilidade econômica, isto não impede o surgimento de conflitos geracionais, e Trier até soube trabalhar a instabilidade humana e a necessidade humana de sempre ter que continuar caminhando, embora imponha um senso de otimismo que como diretor ainda não havia mostrado em outras de suas obras. Pena que a sua verve de diretor cinematográfico não tenha acompanhado as intenções que estavam previstas no roteiro, preferindo realizar mais um peça publicitária bem-acabada do que mergulhar nas nuances da ótima protagonista que tinha em mãos. 


   

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