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SAFÁRI - Direção de Ulrich Seidl

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A violência e a assepsia narrativa em "Safári"  

Comecemos pela história do filme: caçadores europeus (ou de origem europeia) fazem safáris pela selva africana para capturar novos "troféus", ou seja, peles e cabeças empalhadas de animais a serem vendidas a colecionadores.     

Um ponto deve ficar bem claro: o filme "Safári" é difícil de assistir e analisar. Primeiro porque o diretor Ulrich Seidl narra com frieza e distanciamento um tema altamente violento e bizarro, a da morte de animais, alguns inclusive em extinção. A classificação de 12 anos adotada no Brasil para a obra é bastante questionável, e olha que eu jamais me importo com essa questão nos filmes. Curiosamente, enquanto cenas de sexo, ou de órgãos sexuais filmados frontalmente, são tratadas como impróprias (vide a moralista classificação indicativa de 18 anos de "O Amante Duplo", do mestre Ozon), as cenas de violência explícita de "Safári" passaram em branco. Há algo de moralista que merece ser rediscutido nos padrões adotados para esse fim, e "Safári" pode ser um bom filme para abrir essa discussão, sobre o que deve e o que não deve ser visto pelas nossas crianças e adolescentes. O sexo em si me parece um problema, mesmo não sendo ele explícito, enquanto a violência gratuita a animais é naturalizada . 

Quais são as consequências da abordagem de Seidl onde tudo parece ser tão asséptico? Há a secura na narrativa, mas também há uma aceitação de tudo que ali é retratado, o que me desperta uma certa desconfiança do que é mostrado em tela. Cinematograficamente tudo é bem enquadrado e fotografado, o que faz até que desconfiemos a princípio de se tratar de um documentário. No filme, absurdos são mostrados, sem que se faça nenhuma pontuação crítica. Os homens brancos são mostrados como caçadores, profissionais e estão em boas roupas e casas. Os habitantes locais são negros, pobres que habitam casebres humildes. Estes últimos são tratados sem voz alguma, aparecem trabalhando para os brancos e aparecem em imagem fixa olhando simplesmente para a câmera, como se fossem tirar uma foto posada para uma câmera fotográfica. Isso diz muito sobre o contexto, mas também o diz sobre a postura da direção perante seu objeto. Há uma hierarquia do que é retratado, ou melhor, uma determinada hierarquia social é reafirmada pela imagem. 

O diretor não chega a estetizar a violência, todavia esteticiza a narrativa, com planos sóbrios que pretendem dar um distanciamento em relação ao tema retratado. Acompanha os caçadores em suas caçadas, registra seus métodos e procedimentos necessários para uma caça eficiente. Os depoimentos desses caçadores são tomados à distância, o conteúdo são diversos, mas entre eles se destaca o valor comercial dos animais, da maciez da carne de elande comparada a do boi, a ausência de relações racistas, de reflexões sobre a vida e a morte, qual animal mais apetece matar e quais as melhores armas e seus calibres. A bizarrice predomina nessas falas. O ambiente sempre tem a presença de cabeças de animais empalhadas ao fundo, seus troféus, em um contexto de casas bem acabadas e amplas. Os personagens-caçadores sempre vestidos a caráter. 

Há um contraste visível entre os personagens brancos e os locais negros. Enquanto os brancos possuem voz e "pensamento" e se impõem com suas armas eficazes e modernas, os negros surgem como os que fazem o trabalho sujo, isto é, o escalpo dos animais abatidos, na limpeza das tripas e do sangue. Eles aparecem na imagem também na ajuda às caçadas e em suas casas como moradores que vivem de forma simples, comendo as carnes menosprezadas pelos patrões ricos. Os brancos são os protagonistas enquanto os negros meros coadjuvantes, relegados às imagens que pouco dizem sobre suas subjetividades. Assim, as hierarquias sociais são preservadas na proposta narrativa de Ulrich Seidl.  

A agressividade histórica da cultura branca europeia sobre a África vem desde o Século XVI, e em "Safári" é reafirmada por esses protagonistas arrogantes. Tanto os negros quanto os animais recebem historicamente o mesmo tratamento, o uso da força e a afirmação de superioridade econômica de uma burguesia arrivista, fria e cruel. Estranhamente, no filme não há indignação diante desse fato, apenas uma aparente neutralidade.  

Se a pretensão de Ulrich era construir uma narrativa onde transferisse para o espectador a conclusão acerca das imagens fortes, ele teve sucesso nessa empreitada, como se mostrando a bizarrice dos personagens seu papel ficasse cumprido. Entretanto cabe questionar: será que esse método é eticamente correto? Diante de tantos absurdos, provas irrefutáveis de prepotência, violência deliberada contra seres inofensivos merecem mesmo esses seres, brancos e ricos, tamanha assepsia também no tratamento cinematográfico? Não poderiam ser fornecidos contrapontos ou imagens que nos ajudassem a questionar a naturalidade presente nas falas e ações dos caçadores em relação à morte dos animais? Essas perguntas ficam no ar para refletirmos sobre o poder e o papel do cinema para com o mundo.

Dia 19 de junho de 2018, por link.     

Cotação: 1/5                                               

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