Quando o espetáculo vence a ousadia
Crítica de Marco Fialho
Para quem é fã daquelas super produções, esmeradas e acadêmicas, "Anna Karenina: a história de Vronsky" serve sob medida. Um dos grandes méritos dessa obra é a escolha do elenco. Todos os atores correspondem à expectativa, por isso destaca-se a precisa direção de atores. Se esse aspecto perfeccionista da produção é sem dúvida o seu ponto alto, por outro lado também essa correção exagerada se torna a maior fragilidade do filme. Como a história é bem conhecida, pouco nos surpreendemos no decorrer de sua narrativa, construída dentro dos cânones da linguagem cinematográfica clássica.
Há muito tempo não assistia a um filme tão bem ensaiado e sincronizado, com a decupagem clássica sendo pensada e executada com tanto afinco. O filme nos faz refletir sobre a escola russa de cinema, seu rigor acadêmico, sua precisão em cuidar dos detalhes. Quase todas as cenas podem ser incluídas nesse roll de qualidade técnica. Como de praxe, destaque para a sequência do baile, onde Anna e Vronsky dançam pela primeira vez. O diretor Karen Shakhnazarov abusa do movimento coreografado e sincronizado das câmeras, e não abre mão do famoso ângulo zenital (quando a câmera parece estar colocada no teto do salão), onde vemos o rodopiar dos casais.
A escolha de Karen Shakhnazarov em filmar a história sob o ponto de vista do Conde Vronsky demonstra ser de um acerto narrativo incontestável. Isso permitiu que a história se passasse em duas épocas distintas, com uma separação de trinta anos. Na primeira época se passa a história do adultério e a segunda na Guerra Russo-japonesa (1904-1905), onde o Conde Vronsky narra a história dele com Anna Karenina. Essas temporalidades são importantes para a construção temática do filme, e mais ainda, para a abordagem crítica, típica da obra de Tolstói, acerca da decadência da sociedade russa do Século 19, em especial a das convenções familiares. Estão presentes também, o tema da hipocrisia, o da opressão das mulheres, colocadas como inferiores e joguetes nas mãos dos donos de terra e dos militares de alta patente (que em última instância vinham igualmente da nobreza russa).
Vale ressaltar que esse ponto de vista do Conde Vronsky salienta o caráter opressor sobre as mulheres naquele contexto social. Ficamos sabendo da história de Anna sob esse viés, de um homem da elite, que a princípio se mostra um sedutor, mas depois expõe, assim como o marido de Anna, o seu lado autoritário e egoísta. O suicídio de Anna é relativizado por esse viés. As lembranças do amante, nada mais fazem do que acentuar o massacre sofrido pelas mulheres na Rússia dessa época. Essa visão termina por reforçar a imagem de que Anna é uma mulher caprichosa e histérica, enquanto Vronsky, um homem paciente e compreensivo, o que pode, e deve ser visto pelos olhos de hoje sob um viés crítico.
Mas queria voltar aos atores, peças fundamentais dessa obra. Seus gestos, seus corpos e maneira de se expressar são tão bem colocados que ficamos convencidos que estamos em pleno Século 19. Os figurinos também não fogem à regra, são minuciosos, mas na medida, e quando a câmera executa um plano próximo, ou um close, isso fica bem evidenciado. Os vestidos de Anna e da princesa são uma obra de arte. As cenas dela se vestindo com a ajuda de Vronsky, depois de fazerem sexo, toda filmada em close, é fabulosa no requinte de detalhes das roupas.
Todos sabem que o romance Anna Karenina, de Léon Tolstói não prima pela síntese. Não por acaso, esse mesmo filme tem uma versão mais longa para minissérie. Deve ser por esse motivo que essa versão montada para o cinema resulta em um desnível entre suas partes. O filme até a separação do marido tem o ritmo perfeito, extasiante. Depois há uma queda acentuada, que beira o enfadonho. Só bem no final o ritmo ganha um novo fôlego.
No cômputo geral, o filme "Anna Karenina: a história de Vronsky" merece ser visto. A visão realista e crítica de Tolstói está presente nessa obra cinematográfica. Se faltou maior ousadia, sobrou vigor cinematográfico, afinal, o espetáculo visual está garantido a cada frame desse filme.
Visto no Espaço Itaú de Cinema 6, no dia 02 de junho de 2018.
Cotação: 3/5
Crítica de Marco Fialho
Para quem é fã daquelas super produções, esmeradas e acadêmicas, "Anna Karenina: a história de Vronsky" serve sob medida. Um dos grandes méritos dessa obra é a escolha do elenco. Todos os atores correspondem à expectativa, por isso destaca-se a precisa direção de atores. Se esse aspecto perfeccionista da produção é sem dúvida o seu ponto alto, por outro lado também essa correção exagerada se torna a maior fragilidade do filme. Como a história é bem conhecida, pouco nos surpreendemos no decorrer de sua narrativa, construída dentro dos cânones da linguagem cinematográfica clássica.
Há muito tempo não assistia a um filme tão bem ensaiado e sincronizado, com a decupagem clássica sendo pensada e executada com tanto afinco. O filme nos faz refletir sobre a escola russa de cinema, seu rigor acadêmico, sua precisão em cuidar dos detalhes. Quase todas as cenas podem ser incluídas nesse roll de qualidade técnica. Como de praxe, destaque para a sequência do baile, onde Anna e Vronsky dançam pela primeira vez. O diretor Karen Shakhnazarov abusa do movimento coreografado e sincronizado das câmeras, e não abre mão do famoso ângulo zenital (quando a câmera parece estar colocada no teto do salão), onde vemos o rodopiar dos casais.
A escolha de Karen Shakhnazarov em filmar a história sob o ponto de vista do Conde Vronsky demonstra ser de um acerto narrativo incontestável. Isso permitiu que a história se passasse em duas épocas distintas, com uma separação de trinta anos. Na primeira época se passa a história do adultério e a segunda na Guerra Russo-japonesa (1904-1905), onde o Conde Vronsky narra a história dele com Anna Karenina. Essas temporalidades são importantes para a construção temática do filme, e mais ainda, para a abordagem crítica, típica da obra de Tolstói, acerca da decadência da sociedade russa do Século 19, em especial a das convenções familiares. Estão presentes também, o tema da hipocrisia, o da opressão das mulheres, colocadas como inferiores e joguetes nas mãos dos donos de terra e dos militares de alta patente (que em última instância vinham igualmente da nobreza russa).
Vale ressaltar que esse ponto de vista do Conde Vronsky salienta o caráter opressor sobre as mulheres naquele contexto social. Ficamos sabendo da história de Anna sob esse viés, de um homem da elite, que a princípio se mostra um sedutor, mas depois expõe, assim como o marido de Anna, o seu lado autoritário e egoísta. O suicídio de Anna é relativizado por esse viés. As lembranças do amante, nada mais fazem do que acentuar o massacre sofrido pelas mulheres na Rússia dessa época. Essa visão termina por reforçar a imagem de que Anna é uma mulher caprichosa e histérica, enquanto Vronsky, um homem paciente e compreensivo, o que pode, e deve ser visto pelos olhos de hoje sob um viés crítico.
Mas queria voltar aos atores, peças fundamentais dessa obra. Seus gestos, seus corpos e maneira de se expressar são tão bem colocados que ficamos convencidos que estamos em pleno Século 19. Os figurinos também não fogem à regra, são minuciosos, mas na medida, e quando a câmera executa um plano próximo, ou um close, isso fica bem evidenciado. Os vestidos de Anna e da princesa são uma obra de arte. As cenas dela se vestindo com a ajuda de Vronsky, depois de fazerem sexo, toda filmada em close, é fabulosa no requinte de detalhes das roupas.
Todos sabem que o romance Anna Karenina, de Léon Tolstói não prima pela síntese. Não por acaso, esse mesmo filme tem uma versão mais longa para minissérie. Deve ser por esse motivo que essa versão montada para o cinema resulta em um desnível entre suas partes. O filme até a separação do marido tem o ritmo perfeito, extasiante. Depois há uma queda acentuada, que beira o enfadonho. Só bem no final o ritmo ganha um novo fôlego.
No cômputo geral, o filme "Anna Karenina: a história de Vronsky" merece ser visto. A visão realista e crítica de Tolstói está presente nessa obra cinematográfica. Se faltou maior ousadia, sobrou vigor cinematográfico, afinal, o espetáculo visual está garantido a cada frame desse filme.
Visto no Espaço Itaú de Cinema 6, no dia 02 de junho de 2018.
Cotação: 3/5
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