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SONHOS DE MULHERES - Direção de Ingmar Bergman


O humor cínico e sem risos do mestre Bergman

Crítica de Marco Fialho

"Sonhos de Mulheres" é um filme de Bergman quando o diretor sueco ainda buscava seu traço, de uma fase de lapidação de seu estilo. Nele já podemos observar uma forma Bergman de se expressar, onde o lado teatral já está situado em um segundo plano. Há um evidente refinamento nessa obra tanto na narrativa quanto no aparato cinematográfico. Um de seus temas favoritos, o da infidelidade entre casais está presente aqui como central na trama. Um filme onde duas mulheres são as protagonistas e os homens estão na periferia como coadjuvantes. Entretanto, não cabe definir "Sonhos de Mulheres" como feminista. Sua visão das relações amorosas é ácida e não coloca nem o homem nem as mulheres como algozes no processo. Na verdade, Bergman situa tanto homens quanto mulheres como prisioneiros das convenções sociais, como enredados no mesmo jogo já imposto de antemão, independente da vontade deles.   

Narrativamente, "Sonhos de Mulheres" é marcado por uma estrutura cíclica e uma visão acerca das relações humanas permeada por uma crueldade, amarrada com muita sutileza pelo diretor, reforçado por um humor sorrateiro, daquele que não está lá para nos arrancar gargalhadas ou até mesmo um leve movimento facial ou labial. O humor é costurado com o intuito de rirmos angustiadamente para dentro de nós, como se ríssemos de nossos costumes e da nossa hipocrisia.

O onírico também é adicionado como parte da atmosfera cômica. Quando a personagem de Harriet Anderson vai ao parque de diversões com um galanteador senhor, magnificamente interpretado pelo sensacional ator  Gunnar Björnstrand há uma nítida referência ao universo expressionista, em especial nas cenas do trem fantasma, apesar de ali conter uma sutil homenagem ao mestre Eiseinstein, tanto na montagem quanto no próprio tratamento das imagens. Esse é o último filme de Bergman antes dele alçar o absoluto sucesso no Festival de Cannes com a comédia "Sorrisos de Uma Noite de Amor".

Bergman trabalha exemplarmente as teias que mantém a juventude como prisão e ilusão, e o pavor da ausência do vigor da velhice. A câmera muitas vezes próxima acentua a diferença dessas naturezas. Há um predomínio de um requinte visual, que beira a um belo exercício acadêmico de um diretor em plena busca de sua autoralidade. Um mérito de Bergman nesse filme está na sua capacidade de concisão e de acertar em cheio no ritmo. A leveza da narrativa abraça contraditoriamente a temática da infidelidade ao sublinhar sarcasmos e cinismos. Essa mistura entre tema áspero e fluidez no contar sua história faz essa obra se cobrir de algo enigmático. O voltar à estaca zero que o final sugere pode levar a uma falsa impressão de final feliz, mas não seria mais adequado dizer que tudo volta a mediocridade de antes?

Visto em DVD no dia 18 de junho de 2018. 

Cotação: 3/5                                     


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