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O DESCONCERTO DO MUNDO NO CINEMA DE AKI KAURISMÄKI OU A REBELIÃO POSSÍVEL DOS DESPOSSUÍDOS


Texto de Marco Fialho

Três feitos relevantes envolveram recentemente o nome do cineasta, roteirista e montador finlandês Aki Kaurismäki: um prêmio do júri em Cannes, em 2023, para o filme "Folhas de Outono"; a entrada em circuito de exibição do mesmo filme aqui no Brasil; e uma mostra dedicada a esse cineasta na plataforma MUBI, com 24 obras, incluindo longas, curtas e até videoclipes, que em breve se transformará em 25 com a entrada do próprio "Folhas de Outono" no acervo. Se tínhamos poucas chances de entender essas importantes obras dentro de uma perspectiva mais ampla, agora temos a oportunidade única de assistir seus filmes numa abordagem mais panorâmica. 

As narrativas de Kaurismäki partem sempre de uma mistura insólita entre um humor corrosivo e um drama social contundente, mesmo que uma ponta de esperança, ou mesmo um lampejo dela, esteja presente na maioria dos desfechos de seus filmes. Por meio do cinema, Kaurismäki deixa escapar de relance uma utopia dentro de um cotidiano difícil de mudar, um desejo de que o mundo possa ser possível para as personagens populares. Mais do que um cinema de palavras, o que o diretor explora intensamente é o mundo das imagens, dos enquadramentos precisos, expressivos e por vezes desconcertantes, uma câmera que se movimenta pouco, mas que diz muito ao delegar para os atores o melhor da cena. 

Nenhum plano de Kaurismäki é gratuito ou fortuito, cada um deles parece atrair implacavelmente a nossa atenção e percepção. O cuidado na realização dos enquadramentos é notório, assim como na composição que o cineasta faz do quadro em si. Em cada cor, plano-detalhe de objetos cênicos, vemos uma imagem que busca a beleza muitas vezes em ambientes onde ela não é comumente associada. Assim, a casa de trabalhadores, que ganham apenas o mínimo para a sobrevivência, pode ganhar um brilho a mais, um encanto a mais pela colocação sensível das câmeras ou por uma singela flor na mesa da sala ou da cozinha. Kaurismäki é o cineasta que se apraz em acrescentar detalhes nos planos para humanizar um mundo quase sempre mecânico e artificial.   

Esse é um bom momento para introduzir o aspecto cômico nos filmes de Kaurismäki, pois ele está inserido de maneiras diversas. Pode chegar por um enquadramento, mas pode vir pela direção de atores ou no uso econômico dos diálogos, ou ainda na expressividade dos olhares trocados. Entretanto, o segredo do cômico está nos personagens serem visivelmente extraídos do mundo, serem pessoas com empregos comuns, mas que Kaurismäki retira deles ações inusitadas. Apesar deles serem reconhecíveis pelos seus tipos realistas ou cinematográficos (sim, Kaurismäki gosta dos tipos que parecem saídos de um filme policial), suas atitudes inversamente são imprevisíveis e extremadas, mesmo que esse ato inesperado seja realizado com o máximo de frieza e sem grandes alardes, o que os torna, em alguma medida, engraçados. Diferentemente da comédia tradicional norte-americana, em Kaurismäki a piada não recai sobre os personagens, mas sim sobre a estrutura de poder e está diferença diz muito sobre a sua forma de enxergar um mundo quase sempre cínico e desigual e francamente avesso aos trabalhadores e deserdados de toda ordem. 

O humor, na acepção do cineasta, não é aquele para se dar gargalhadas, está ali para servir de desconcerto, para desestabilizar os nossos sentidos perante à vida, é um tipo de humor realista, subtraído do absurdo que vivemos, da própria existência, na desnaturalização de algum fato que faz sofrer e que é aceito no cotidiano. O diretor sublinha o absurdo de um mundo gerido pelos patrões, burocratas do governo ou pelos bandidos ou mafiosos. De uma forma geral, o cinema de Kaurismäki é sustentado pelo afetos sutis trocados por alguns personagens, na maioria das vezes como um aprendizado de vida, no gosto de se aprender com o exercício do viver. Os personagens de Kaurismäki estão sempre em processo, eles vão reagindo e aprendendo no decorrer da própria vivência em um mundo da experiência, sem cartilhas.  

Por isso, talvez, a melhor maneira de compreender a mise-en-scène de Kaurismäki esteja na observação dos seus filmes de curta-metragem sem diálogos, onde o diretor faz experimentações de ordens narrativas e técnicas para afinar o estilo cinematográfico de cunho autoral que vemos em suas obras de maior fôlego. Mesmo assim, a maioria dos longas do diretor podem ser considerados breves. Realmente, Kaurismäki não é um cineasta de jogar palavras ou imagens ao léu, o cinema que ele pratica envolve concisão e precisão no uso dos códigos cinematográficos, são filmes estilosos e facilmente identificáveis como do diretor. Foi até surpreendente o diretor só realizar Juha, seu primeiro longa mudo, apenas em 1999, depois de uma carreira já sedimentada, porque a sua linguagem (e seu humor) dialoga muito com os códigos da época do cinema mudo, que funciona como uma verdadeira escola de cinema para o cineasta.

Uma das grandes influências do cinema de Kaurismäki é mesmo o chamado silencioso, lá dos primórdios do próprio cinema, aquele com o poder de comunicar muito com pouco. Observa-se como o cineasta estudou muito os primeiros diretores que estavam a postos para descobrir maneiras de viabilizar a contação de histórias por meio dessa máquina registradora de imagens em movimento. Daí vem a preferência de Kaurismäki mais pela ação, de sublinhar o movimento em prol dos diálogos, embora o seu destaque dramatúrgico esteja na presença dos atores em cena e na relação dos personagens com o mundo e as esferas de poder. Pode-se dizer que Kaurismäki é um herdeiro chapliniano, por escolher narrar histórias a partir de personagens de alguma forma marginalizadas pelo sistema.

E por falar em Chaplin, de imediato um ímã nos leva aos corpos em cena e aos atores. Quando nos referimos ao papel dos atores no cinema de Kaurismäki é difícil não referenciar o quanto há de Robert Bresson na sua maneira de conduzi-los (inclusive há citações bressonianas em sua obra). Em Bresson encontramos uma abordagem específica de se pensar os atores como modelos, nas suas palavras: "Modelos. Capazes de se abstrair da própria vigilância, capazes de ser divinamente 'eles mesmos'." (Notas sobre o cinematógrafo. Robert Bresson. Ed. Iluminuras, 2ª ed., 2014. p.63) ... ou ainda, sobre mise-en-scène Bresson diria: "O que eu rejeito como simples demais, é o mais importante e que é preciso escavar. Estúpida desconfiança das coisas simples " (p. 93) Ambas ideias nutrem demais o terreno árido e estranho presentes nos filmes de Kaurismäki. A maneira como o cineasta trabalha o corpo em seu cinema não é a mesma que vemos habitualmente nos filmes em geral, talvez por isso ele insista tanto em se manter fiel a um elenco pouco variável, que sabe que menos é mais na sua proposta de mise-en-scène minimalista.          

Mas podemos identificar ecos de outros cineastas na narrativa de Kaurismäki, como a austeridade do mestre japonês Yosujiro Ozu (1903-63), hábil em construir planos que combinavam objetividade e humor sutil. Kiju Yoshida, um dos maiores estudiosos do diretor japonês escreveu uma ideia sobre a obra dele que podia ser relativa também à obra de Aki Kaurismäki: "Se por um lado Ozu, ao insistir em realizar cenas pautadas por clareza absoluta, procurou evitar que estas despertassem dúvidas, por outro ele se valeu da linguagem da sátira a fim de que os conteúdos não fossem interpretados de maneira óbvia; para tanto, impregnou as imagens com humor e uma ironia sutis"... e o autor mais adiante continua: "... Para Ozu, era preciso admitir com naturalidade o caráter nebuloso deste mundo, a questão de nele sobreviver com otimismo e tolerância tornava-se a motivação para fazer filmes com um senso de humor incansável" (O anticinema de Yasujiro Ozu. Cosac & Naify/Mostra. 2003. p. 88). Enfim, puro Kaurismäki. A discussão acerca dessas relações e influências é longa e merece ser aprofundada, em especial com Ozu, mas fiquemos por ora apenas com isso. 

Entretanto, como pensar a construção narrativa de Kaurismäki somente pela imagem quando a parte sonora, e ainda mais a musical, tem tanto a dizer e agregar aos seus filmes? A paixão do cineasta pela música é para lá de intensa. Em quase todas as suas obras, a música adentra não como um mero complemento à imagem, mas antes participa dela com uma força avassaladora. Não à toa, muitas vezes, os títulos de seus filmes vem de nomes de músicas, como é o caso de "Nuvens Passageiras" (1996), além dos diversos videoclipes que ele realizou para o inusitado grupo pop "Leningrad Cowboys". E o que dizer do uso que o diretor faz da música em vários finais de suas obras, alguns determinantes mesmo, como em "Ariel", onde a canção americana cai como uma luva para o desfecho da história? 

A música ainda tem uma outra função narrativa em Kaurismäki, o de substituir os diálogos. Como o cineasta é conhecido como um economizador de diálogos, a música serve muitas vezes para falar com profundidade da alma de um de seus protagonistas, por isso é bem importante ficar atento não só na melodia como na letra das músicas nos filmes do cineasta finlandês. E não pense que as músicas são necessariamente da Finlândia. É comum encontrar registros de músicas de todo o planeta, desde o pop norte-americano até o tango argentino (Gardel é uma presença para lá de constante). É interessante como o diretor se utiliza da música para introduzir dramaticidade às histórias, já que no plano da imagem, a secura é o que predomina nos planos. 

Pensar o plano em Kaurismäki é ter a consciência de sua importância para a unidade que ele quer construir com o seu cinema. O P&B de alguns filmes deve ser entendido pontualmente dentro de sua concepção maior, de como enxerga o próprio devir humano. Mas a síntese da cor expressa pelo P&B pode vir por motivações diferentes. Se em "Jahu" é como homenagem ao próprio cinema silencioso no qual o diretor tanto preza, em "Vida Boêmia" ou "Take care of  your scarf, Tatiana" ele impõe o P&B para sublinhar um quadro onde o pessimismo, de alguma forma, vai falar mais alto, seja pela volta de um personagem à mesma vida paralisante de antes ou na dor profunda do imigrante albanês Rodolfo quando perde a mulher amada. É a vida em suas nuances e circunstâncias adversas que precisamos também enfrentar. Mas para Kaurismäki, a cor precisa se expressar em conformidade com as abordagens narrativas.       

Não à toa, a presença e o uso da cor é outro aspecto estilístico de Kaurismäki decisivo para se entender o seu approach autoral. Pensar o quadro para o diretor é refletir sobre como a composição da cor, sua disposição no enquadramento e pode preparar o espectador para a mensagem a ser construída. Visivelmente, Kaurismäki estudou muito o artista Edward Hopper para forjar sua visão imagética do mundo, em especial o cuidado de combinar cores sóbrias e vivas no mesmo quadro, sem uma interferir na outra, para cada cor comunicar o que deve ser dito pela imagem, mesmo que a cor sirva como elemento contraditório. Assim, o vermelho, o amarelo ou o verde, mas sobretudo o vermelho, podem salientar a esperança em meio a um ambiente pastel ou de um azul acinzentado. Hopper expressou muito sobre a solidão humana e o vazio na contemporaneidade, mas mesmos nas suas obras mais famosas, existia leves detalhes de uma cor forte em meio ao pastel, a chamar para si a atenção e servindo de alívio em meio à solidão que o todo inspira e emana. Algo que Kaurismäki conseguiu extrair a seu modo para o seu cinema que antes de tudo é frio e belo imageticamente, embora com uma pitada graciosa de cores vivas.

Interessante observar que assim como E. Hopper, Kaurismäki se inspira em suas tramas igualmente nos anos 1950, e nas décadas próximas, e isso traz de imediato um certo sentimento de nostalgia. O mais surpreendente é como os filmes desse realizador finlandês conseguem dizer tanto do nosso tempo estando referenciado imageticamente e musicalmente sempre a outras décadas. São mistérios que esse artista instigante carrega consigo. Essa filiação geracional pode ser igualmente sentida na obra de um cineasta que Kaurismäki considera como um irmão, o norte-americano Jim Jarmusch. Ambos ameaçam sempre abandonar a profissão, mas se dizem motivados pelas obras um do outro. Pode até ser uma coincidência, porém essa fixação nostálgica existe no escopo dos dois cineastas, que valorizam muito o aspecto visual de seus filmes. Como iniciar uma análise sobre eles, sem referir-se à questão imagética tão ligada a uma ideia de passado?   

Certamente, por isso mesmo, pode-se dizer que o segredo da narrativa de Kaurismäki esteja na concepção visual, de como os planos são pensados em uma certa simetria. O simétrico em Kaurismäki é uma verdade, mas ele acontece porque o seu desejo é o de narrar ironicamente como os poderosos vêem planejam o mundo. Isso não quer dizer que o diretor veja o mundo na mesma perspectiva de quem domina o poder. Muito pelo contrário, ele quer mostrar justamente o lado opressor desse mundo, por isso o enfoque dele nos personagens proletários. O desconcerto do cinema dele se dá nesse confronto entre o que o mundo planeja para os que vendem sua força de trabalho e como essas pessoas de carne e osso realmente vivem e reagem a essa opressão. Enquanto os planos fixos ou com pouco movimento expressam a estagnação social, os personagens buscam seus suspiros de vida em meio a rigidez do mundo. Kaurismäki já se pronunciou o quanto acha sem graça e insossa a vida dos mais ricos e que nada há de interessante nela para se filmar. O cinema de Kaurismäki, nessa perspectiva, é um cinema de resistência pela vida, da capacidade que temos de reinventa-la, mas que fique claro, é preciso um toque de coragem. 

Se por um lado, o cinema de Kaurismäki se posiciona frontalmente a favor dos trabalhadores e dos deserdados de toda ordem, por outro, ainda tem os imigrantes, que na narrativa do cineasta também possuem uma importância bem expressiva. "A Vida Boêmia", "O Porto" e "O outro lado da esperança" são exemplos de como o cineasta finlandês parte da premissa humana como fundamento da sua obra. O humanismo latente em todos os seus filmes, mais nesses especificamente, delineiam um tipo de humanismo amplo, consciente que o processo de globalização capitalista alijou pessoas das mais variadas culturas e territórios, transformando em palco de guerra os países mais periféricos e sem influência política nas grandes decisões mundiais. O resultado de tudo isso está registrado nos personagens que o cineasta pleiteou para os seus filmes, como Idrissa, o menino vindo de um país africano; Rodolfo, o artista plástico albanês; ou Khaled, o refugiado sírio. Todos eles são ajudados pelos seus pares humanos, que independente da profissão, e país  de origem, acolhem personagens vistos e cassados como párias pelos governos em geral. Mais uma vez, Kaurismäki constrói narrativas a partir desses personagens que o mundo considera periféricos e que os sistemas querem exterminar ou enquadrar para explorar como mão-de-obra barata.

Dizer que Kaurismäki é um pessimista não é de todo mentiroso, mas é preciso antes contextualizar essa definição, para que não se cometa equívocos sobre a visão política e filosófica do cineasta. Kaurismäki não acredita nos poderes instituídos e nos poderosos que dela usufruem de privilégios e vantagens, é claramente cético em relação a todos eles. Mas é inegável sua crença na bondade essencial da figura humana. O cinema dele apela fundamentalmente para essa consciência. Para ele, a bondade está no homem, que consciente ou inconscientemente a desperta ao se defrontar com uma determinada situação imposta pela vida social, impreterivelmente relacionada a alguma forma de injustiça. 

Por isso, os personagens de Kaurismäki agem, ao invés de fazerem lindos discursos políticos. Nesse ponto de vista, em meio ao pessimismo perante às instituições, o diretor vê e extrai uma beleza humana ainda possível, de solidariedade, afeto e conciliação. É quase uma necessidade, ao seu modo, de se reconciliar com o mundo. Nas suas obras, Kaurismäki parte da superfície e sabe que é nela que o mundo se expressa. O mundo do diretor não se assenta na interioridade dos personagens, mas sim como eles podem transformar a vida deles e a de outros pelos seus atos. Isso não é negar a interioridade deles, mas apenas uma opção por trabalhar com a exterioridade das reflexões de cada personagem. Mas algo fica claro que é melhor agir do que ficar conjecturando contra qualquer tipo de opressão.

Mas o sucesso dos personagens de Kaurismäki não está só na empatia que sentimos por eles, está também na cumplicidade que o cineasta estabelece com os atores nos quais escolhe trabalhar. Se observarmos a sua filmografia, veremos que há um time de atores que se incluem nos seus projetos. Kati Outinen (sua atriz preferida), Matti Pellonpää (seu ator preferido), Markku Peltola, Sakari Kuosmanen, Janne Hyytiäinen, Esko Nikkari, Outi Mäenpää, Elina Salo, André Wilms, para citar alguns. São atores que conhecem o jeito de Kaurismäki trabalhar e se afinam no modo minimalista do cineasta pensar sua dramaturgia austera. Kaurismäki conta ainda com uma equipe técnica cúmplice de suas ideias cinematográficas. No som, Kaurismäki mantém Jouko Lumme como um importante nome da maioria de suas obras. O fotógrafo Timo Salminen, por exemplo, trabalhou em todos os seus filmes, um caso raro de ser registrado numa carreira de mais de 40 anos e isso colaborou muito para que os filmes do cineasta mantenham uma unidade na imagem, em um parâmetro estético reconhecível.    

Se tem um elemento nada austero no conceito cinematográfico de Kaurismäki este é a música. A música aparece nos filmes de várias maneiras. Pode ser em um radinho portátil, um dos objetos cênicos prediletos do diretor, numa juke box, numa vitrola (aparelho adorado pelo cineasta), ou quem sabe em um baile, numa música ao vivo em um bar ou até mesmo (o menos usual) vir de fora da diegese. Quanto aos ritmos, eles são os mais variados, pode ser um blues, um jazz, um rock (melhor ainda se for um rockabilly), um bolero ou quem sabe um tango (um dos estilos musicais preferidos de Kaurismäki, Gardel que o diga). 

Mas o que dizer das repetições filme a filme de vários outros objetos cênicos, como os carros antigos (inclusive as cenas frontais de personagens no carro são quase que obrigatórias nos seus filmes), quase sempre de tom azul-celeste; de shots ou de garrafas de cerveja na mão dos personagens; assim como os cigarros disparando fumaça no ambiente, o que diz muito sobre esse mundo repleto de trabalhadores e deserdados sempre em busca da ilusão passageira. O cineasta não deixa de inserir os bares e lanchonetes chinfrins como cenários perfeitos para protagonistas destinados ao esquecimento pelo sistema. Esse é o local de prazer, de conflitos, de paqueras, de conversas e de tantas outras formas de convívio social do proletariado. A própria sala de cinema muitas vezes aparecem nas suas narrativas como local de encontros, desencontros e de citações de filmes e de personagens marcantes, como o caso de Humphrey Bogart e diversos cartazes que evocam diretamente o universo mágico do cinema como espaço de fuga da dura realidade dos personagens. 

Um dos lados interessantes de assistir aos filmes de Kaurismäki em sequência é de perceber o quanto ele introduz nas tramas elementos de vida e esperança. O buquê de flores é um desses simbolismos de vida que o diretor gosta de inserir nos filmes, um símbolo da esperança do amor e da reconciliação. Mas o que falar dos cães em seus filmes? A presença desses canídeos em suas obras mostram a sua fé nos seres vivos, um exemplo de amizade e companheirismo que os homens perderam depois que foram domesticados pelo mercado de trabalho para serem meros robôs de seus patrões. A fidelidade desses animais mostram a esperança de que o amor recíproco e sem interesse é a única saída para a humanidade, mesmo que essa utopia de Kaurismäki seja propagada mais como uma estratégia de sobrevivência do que como uma ideia utópica. 

Aki Kaurismäki é um desses diretores que gosta de trabalhar com trilogias, talvez pelo viés mesmo que ele desenvolveu, de ser continuamente o cineasta dos despossuídos, da classe trabalhadora finlandesa. A trilogia do proletariado, por exemplo, contou com os filmes "Sombras no paraíso" (1986), "Ariel" (1988) e "A garota da fábrica de fósforos" (1990), onde o diretor mostra abertamente a hostilidade do sistema capitalista e como ele não oferece nenhuma perspectiva de dignidade para os trabalhadores, a não ser exploração pelo trabalho, desolação, solidão, humilhação e indiferença. Outra trilogia que vale conhecer é a dos perdedores, composta pelos filmes: "Nuvens passageiras" (1996), "O homem sem passado" (2002) e "Luzes na escuridão" (2006). Tem ainda seus filmes que versam sobre os refugiados, um dos maiores óbices da humanidade, que revela a intolerância dos regimes políticos de um mundo que sem dó relega tantos à invisibilidade. São seres sem registro a vagar por sua própria sorte. O olhar de Kaurismäki a esses seres é um ato que lança luz a esse obscuro fato, e ainda faz crer que ainda exista e resista uma faísca de solidariedade no mundo, caso explícito de filmes já citados antes: "Vida boêmia" (1992), "O porto" (2011) e "Do outro lado da esperança" (2017). Mas como destacar trilogias, se a obra desse diretor finlandês é marcada sempre por uma solidariedade sem fim a todo o tipo de desgarrado e excluído social, sejam os empregados, os subempregados, desempregados ou desocupados de toda a ordem? Kaurismäki só não gosta dos assaltantes sem consciência, que atacam trabalhadores de toda a espécie, para lhes retirar o mínimo que ganham para sobreviver. Para com esses, ele é implacável e irredutível na condenação.

Como seria a vida das pessoas se elas não precisassem viver sob a égide dos patrões com suas regras que insuflam a infelicidade das pessoas, que lhes retira a energia e a crença no próximo? O cinema de Kaurismäki responde cinicamente frente a esse mundo, se coloca como uma forma de resistência a esse estado das coisas. À frieza do mundo do trabalho, o cineasta responde com uma humanidade possível, cavada quase que a fórceps pelos seus heroicos personagens. Mas evidente que não se trata aqui de um heroísmo hollywoodiano, mas sim de atos de resistência e fuga em busca de uma felicidade mínima, porém essencialmente humana. 

O historiador inglês E. P. Thompson, na fantástica obra em 3 volumes "The Making of the English Working Class", transformou a pesquisa historiográfica mundial ao mudar o foco dos estudos sobre a classe trabalhadora inglesa, quando deslocou os estudos marxistas do ponto de vista dos sindicatos para a vida cotidiana dos trabalhadores. Essa postura muito me faz lembrar do cinema de Kaurismäki, sempre atento a como as pessoas vivem e resistem no cotidiano da vida crua que os poderosos lhes reservaram. Se analisarmos filme a filme, veremos o quanto o cineasta finlandês optou por esse viés de olhar a sociedade de baixo para cima, em um movimento que se casa muito com a proposta do historiador inglês. E Kaurismäki se agarra a eles com toda a sua força, mas sabedor de que é preciso denunciar o caráter violento do sistema sobre os despossuídos.              

O minimalismo apontado em seus filmes correspondem a um paradigma cinematográfico em que a busca pelo essencial contrasta com os excessos do sistema, que quer sempre muito dos trabalhadores e os transformam em seres automatizados, embebidos pelo sistema, por isso eles parecem vagar pelo mundo como se fossem um Frankenstein, paralisados pela exploração de sua mão-de-obra. Esse é o viés político da obra de Kaurismäki, a de resgatar essas figuras mortas para a vida. A salvação proposta pelo diretor talvez incomode alguns por não ser tão explicitamente política (pelo menos em uma visão organizativa), embora contenha uma ideia explícita de solidariedade de classe. Talvez o diretor seja descrente das formas políticas mais associativas e partidárias devido ao fracasso prático dessas ideias e almeje um caminho mais viável e possível de viabilizar a felicidade dos despossuídos no aqui e agora. Arrisco dizer que por isso o mundo de Kaurismäki não é o do amanhã, aquele da utopia coletiva, mas sempre estrito à perspectiva do indivíduo, de sua rebelião consciente contra os poderes estabelecidos. Não que esse algo maior não seja almejável, mas muito pela sua não efetividade para quem vive no cotidiano da prisão capitalista e precisa urgente se libertar tanto da opressão do mundo do trabalho quanto dos meios governamentais. Kaurismäki desdenha, em todos os filmes, desses caminhos pelas vias oficiais. Claramente, ele não crê nos políticos, na polícia ou nos patrões de uma maneira geral. Há um constante deboche e um boicote explícito a todas essas esferas, vistas como aprisionantes, paralisantes e limitadoras da felicidade dos mais humildes, dos que estão à margem do poder político, econômico ou coercitivo.

A grande importância dessa mostra que a plataforma MUBI traz para o cinema é o de podermos constatar o peso da obra de Aki Kaurismäki, que ainda vivo e atividade, vem influenciando artistas e cineastas variados e relevantes como Quentin Tarantino ou o próprio Jamursch já citado anteriormente. Dificilmente, se falará do nosso cinema contemporâneo sem se citar esse finlandês turrão e espirituoso ao mesmo tempo. Mas se há algo realmente de relevante em Kaurismäki para o universo cinematográfico, o mais justo e sensato seria lhe garantir um lugar significativo no rol dos cineastas críticos à sociedade industrial, mas especificamente ao capitalismo, tal como Ken Loach ou Pier Paolo Pasolini, por demonstrar que esse modelo político, econômico e coercitivo aprisionou a humanidade na infelicidade. Será necessário ainda sublinhar o traço existencialista com que impulsiona as suas personagens, lhes injetando uma imensa dose de esperança e humanismo. 

Filmes dirigidos por Aki Kaurismäki vistos para a realização do texto e pequeno comentário crítico ou crítica completa: 


CRIME E CASTIGO (1983) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 7


Comentário: Em sua estreia na direção, Kaurismäki adapta Dostoiévski e mostra personalidade artística ao trilhar um caminho bem diferente ao do escritor russo, menos angustiado e mais romântico. Um trabalho de direção de atores de respeito e um domínio narrativo difícil de alcançar em um filme de estreia.

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CALAMARI UNION (1985) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Uma fábula mal-humorada realizada contraditoriamente com um humor cáustico sobre a separação de uma banda de rock em decadência passada nos subterrâneos de Helsinque. São vários Franks, cada um na sua trip desorientada, sem freio. Um Kaurismäki áspero e mais cruel do que nunca. 

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SOMBRAS NO PARAÍSO (1986) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Um dos filmes mais ternos de Kaurismäki, que narra o encontro de dois solitários perdidos no mundo, interpretados com carisma por Kati Outinen e Matti Pellonpää, seu ator e atriz preferidos. Enquanto o mundo do trabalho se mostra insuportável, a vida entre eles vai renascendo como uma flor no lodo.

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ROCKY VI (1987) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 8 

Comentário: A analogia ao filme de Stalone é evidente e parece uma resposta ideológica, cínica e debochada acerca do poderio norte-americano. São socos potentes clarificados por cortes secos e boa música. Depois de "Rocky VI", o mundo do boxe e a política não serão mais os mesmos.

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HAMLET GOES BUSINESS (1987) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Diferente das outras tramas de Kaurismäki, aqui são os ricos e poderosos os protagonistas, numa visão contemporânea e cínica da icônica peça de W. Shakespeare. Em alguns momentos lembra o expressionismo, em outros Orson Welles, mas o cineasta finlandês deixa a sua marca proletária em um final inusitado.

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ARIEL (1988) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Kaurismäki lança mão do seu humor cáustico e do drama social para contar a história de almas solidárias em meio a um mundo podre e sem perspectiva, seja pelo trabalho ou pelo caminho do crime. Um filme árido na forma, mas cheio de ternura entre os protagonistas, com uma trilha musical perfeita.

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A GAROTA DA FÁBRICA DAS CAIXAS DE FÓSFOROS (1990) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 10


Comentário: Sem dúvida, uma das obras mais ferozes de Kaurismäki, em que ele consegue investir de uma vez só, numa curta história, uma vingança implacável de uma operária contra várias instituições sociais, como a família e o namorado aproveitador. Kati Outinen em uma interpretação seca e direta, como deve ser. 

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CONTRATEI UM MATADOR PROFISSIONAL (1990) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 8


Comentário: Um filme irônico sobre o absurdo que é a sociedade, em que um solitário executivo é demitido e perante a incapacidade de se matar procura um profissional para fazê-lo. Mais um filme em que Kaurismäki flerta com os códigos do cinema noir. Mas quem disse que o amor não é capaz de mudar tudo, até a vontade de morrer?  

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A VIDA BOÊMIA (1992) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 10


Comentário: Um dos maiores testamentos sobre a vida dos artistas na sociedade capitalista. Kaurismäki injeta sua verve cáustica no romantismo francês ao fazer uma viagem feroz ao subterrâneo de uma sociedade egoísta, fria e avessa às artes. Uma obra-prima em P&B, com interpretações sensacionais dos atores. 

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TAKE CARE OF YOUR SCARF, TATIANA (1994)

COTAÇÃO: 9


Comentário: Um road movie fascinante de Kaurismäki, uma aventura rumo a uma nova vida, ou não, apenas uma grande frustração. Esse filme encanta por conseguir juntar a esperança de dias melhores com a completa resignação de continuar vivendo a mesma vida medíocre de sempre. Grandes interpretações a do quarteto principal.

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NUVENS PASSAGEIRAS (1996) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 10


Comentário: Em um mundo ditado pelo trabalho, o desemprego é o maior simbolismo da instabilidade. Um casal vive essa tragédia cotidiana com o máximo de suas forças. Embora Kaurismäki retire qualquer indício de sentimentalismo da narrativa, esse é um drama avassalador e esperançoso: "as árvores ainda crescem", diz o protagonista à certa altura.

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JUHA (1999) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 8


Comentário: Essa é uma homenagem tardia de Kaurismäki ao cinema silencioso. "Juha" é uma fábula sobre o encantamento que sentimos pelo mundo da aparência e sobre os nossos sonhos mais profundos. Mas o cineasta nos mostra que nem tudo que reluz é ouro e que talvez nossa vida medíocre não seja de todo tão ruim.  

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O HOMEM SEM PASSADO (2002) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Um filme que ajudou a projetar Kaurismäki para o mundo. A pergunta do cineasta é clara: Se perdêssemos a memória poderíamos continuar a viver? Uma alegoria poderosa sobre a capacidade humana para recomeçar a vida do zero, mesmo com toda a violência que essa nova situação invoca.  

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LUZES NA ESCURIDÃO (2006) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Kaurismäki realiza uma estranha fábula noir pós-industrial em que um solitário segurança é seduzido por uma femme fatale em um plano de vingança de um poderoso mafioso. As cores desse filme seduzem tanto quanto a beleza da atriz Maria Jäevenhelmi. A ilusão passeia por cada quadro do filme, assim como um toque de tristeza.   

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THE FOUNDRY (2007) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 8


Comentário: Um curta simples e impactante de kaurismäki. O cineasta extrai de um ambiente fabril a magia de um instante. São sensações que só um artista como Kaurismäki e o cinema podem proporcionar.

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O PORTO (2011) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 8


Comentário: Um dos cineastas mais sociais do mundo, Kaurismäki mostra aqui o quanto o seu cinema é solidário com os mais necessitados, sejam eles meros trabalhadores ou imigrantes, como Idrissa, o menino negro que chega à França em um contêiner de um navio. Uma ode ao humanismo e contra o capitalismo.  

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TAVERN MAN (2012) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: Sem um diálogo sequer, Kaurismäki insinua o seu estilo inconfundível ao narrar a breve história sobre um taverneiro solitário que vive uma repentina paixão. As nuances de planos, enquadramentos, cor e direção de arte são de saltar aos olhos. Uma obra imageticamente preciosista e perfeita.  

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O OUTRO LADO DA ESPERANÇA (2016) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Comentário: O OUTRO LADO DA ESPERANÇA - Direção Aki Kaurismaki (cinefialho.blogspot.com)

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FOLHAS DE OUTONO (2023) Dir. Aki Kaurismäki

COTAÇÃO: 9


Crítica: FOLHAS DE OUTONO (2023) Dir. Aki Kaurismäki (cinefialho.blogspot.com)

Comentários

  1. Detalhada e enriquecedora apresentação da obra, de modo a instigar o leitor a conhecer o trabalho do autor. Fiquei curioso e vou buscar maior aprofundamento no artista. Obrigado!

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GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteiramente to

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2024

Nesta página do CineFialho, o leitor encontra todos os filmes vistos no decorrer de 2024, com cotação, um pequeno comentário ou o link para a crítica do filme. 212) A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora COTAÇÃO: 9 Crítica:  A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora (cinefialho.blogspot.com) __________ 211) SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho COTAÇÃO: 3 Crítica:  SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho (cinefialho.blogspot.com) __________ 210) UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM COTAÇÃO: 6 Crítica:  UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM (2024) Dir. Michael Sarnoski (cinefialho.blogspot.com) __________ 209) CASA IZABEL (2024) Dir. Gil Barone COTAÇÃO: 6 Crítica:  CASA IZABEL (2022) Dir. Gil Barone (cinefialho.blogspot.com) __________ 208) TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand  COTAÇÃO: 7 Crítica:  TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand (cinefialho.blogspot.com) __________ 207) BANDIDA: A NÚMERO UM (2024) Dir. João Wainer COTAÇÃO: 4 Crítica:  BANDIDA: A NÚMERO UM (