Texto de Marco Fialho
Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um, a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie" para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.
O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteiramente tomada pela figura masculina. Conseguir um papel de destaque nesse contexto já é algo de surpreendente e original por natureza.
Bandida: A Número Um se apoia numa narrativa que muito lembra filmes como Cidade de Deus (2002) e Tropa de Elite (2007), onde a condução acontece pela presença de uma voz em off de um dos protagonistas, aqui, da própria Rebeca, que assim como o Capitão Nascimento, vai nos guiando pelas estrepolias de seus corajosos atos. Essa repetição narrativa, por si só, já se torna um elemento um pouco exaustivo e deveras desestimulante. E como não lembrar de Cidade de Deus quando a direção enfatiza as constantes mudanças dos donos da boca de fumo como mote principal para dar dinâmica à história?
Mas ninguém se sai tão bem em Bandida: A Número Um como Milhem Cortaz, como Seu Amoroso, o primeiro grande bandido a dominar o Morro do Vidigal. Milhem faz aquelas interpretações que de tão convincentes que são, conseguem nos fazer esquecer que estamos vendo um ator representando um personagem, tal a competência de seu trabalho. Infelizmente, outros personagens não convencem tanto em seus papéis, como Pará (Jean Amorim), que pela relevância na trama deixa a peteca cair em diversas cenas. O cantor e compositor Otto, se sai bem como o antagonista de Amoroso, numa interpretação bem desenhada pelo viés cômico. Vários coadjuvantes fazem um trabalho preguiçoso, espelhados em vários papéis parecidos em diversos filmes de favela movie de nosso cinema.
A montagem de Bandida: A Número Um também não ajuda muito, em especial quando opta por acelerar as cenas, nos transportando para um comercial de TV ao esquartejar em vários momentos a história do filme. A fotografia transforma a favela numa aparência néon e artificial, numa tentativa de espetacularização da imagem e do território, o que igualmente não ajuda a criar uma atmosfera diferente de outros filmes do mesmo gênero.
O roteiro peca por mostrar pouco de Rebeca como chefe do tráfico na Rocinha. Justamente, o filme acaba quando em um momento de crise dela na função. Fica a impressão de que a história ficou pela metade e que a melhor parte, a de vê-la em ação como líder do grupo, não nos é mostrado. Outro fator que não ajuda a obra a deslanchar é a direção de arte. Por muitas vezes, Rebeca parece uma mulher de outra época, com alguns detalhes de tipo de unha, cabelo e marcas de biquini que não batem com a realidade dos anos 1980, e sim de épocas bem posteriores. E o que dizer de um certo padrão imagético e narrativo do tipo seriado da Globo Play, que anda se espalhando pelos nossos filmes ultimamente? Bandida: A Número Um pode facilmente ser incluída nesse perfil de obra cinematográfica, tingida por um acabamento visual vazio, com uma câmera desfocada (quando algum personagem cheira cocaína), nervosa e serelepe que cansa o espectador a cada nova cena.
Amei o texto, que me parece tão dinâmico (com muita sensibilidade) e não "dinâmico" como parece ser o filme (com lacunas imagináveis, ao nos lembrarmos de filmes da Glibo Play)
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