Texto por Marco Fialho
O primeiro estranhamento evocado pelo curta-metragem Mucura, obra rondonense dirigida por Fabiano Barros (do premiadíssimo Ela Mora Logo Ali, em parceria com Rafael Rogante, que aqui assina uma bela montagem), reside no próprio título. Mucura possui diversas definições, entre elas a de um animal marsupial amazônico, um tipo de gambá, mas também pode ser uma planta medicinal ou ainda indicar uma situação de prisão. O melhor aqui não é buscar nenhuma dessas direções, porém aceitar todas e se deixar levar pelo clima misterioso que o filme encampa.
O que o diretor Fabiano Barros faz aqui é justamente apostar nessa confusão que a palavra inspira e devolvê-la para o espectador, criando uma atmosfera de terror e de imprecisão acerca do que estamos vendo. O ambiente onírico se faz onipresente, quando vemos uma mulher numa sucessão de despertares, ou de falsos despertares, que sugere um tipo de prisão psicológica latente da personagem feminina, interpretada enigmaticamente por Kaline Leigue.
O que mais chama atenção nesse novo curta de Fabiano Barros é como ele trabalha o universo fantasmagórico em meio a uma habitação evidentemente amazônica, envolta em um universo espiritual , cultural e religioso muito único, com seus remédios, animais e ritos, como uma mandiga que aparece logo no início do filme. De repente, somos arrastados para esse turbilhão de emoções controversas e assustadoras.
Esse é um filme profundamente sensorial, onde o som vai conduzindo imagens poderosas e assustadoras de enclausuramento e abalo psicológico de uma mulher que está a espera de um bebê (será?). Em Mucura tudo é, fundamentalmente, dúvida e imprecisão. Premonições, medos e visões povoam a tela numa profusão de sensações angustiantes que obliteram uma maior compreensão do que vemos. Estaríamos vendo a visão de uma mulher dominada por remédios controlados ou estaríamos vendo pessoas a se aproveitarem disso. O que importa é que a paranoia está no ar.
Em determinada hora, se fala em veneno para matar mucura, mas novamente o que vemos é uma névoa a se instaurar e dominar a visão da personagem, que aparece acordar e entrar sistematicamente em pesadelos ou visões tenebrosas sobre a sua casa e vida. Em algum momento, se diz, "você não sai dessa casa", o que nos induz a pensar sobre esse ambiente onde casa e prisão caminham juntos. Uma menina (Manuela Braga) ronda pela casa, mas não sabemos se ela é uma premonição ou habita mesmo a casa.
Mucura é daqueles filmes onde os elementos cinematográficos são pensados meticulosamente, para extrair o anticlímax de cada cena. Somos o tempo todo iludidos e até o fim somos arremessados na dúvida. O filme causa sucessivamente frustrações no espectador, que assim como a protagonista vai ficando confuso. Os diversos closes e planos-detalhes ajudam a acentuar a sensação de desorientação não só da personagem, mas também a do público. A câmera até indica os caminhos, mas logo o som vem e nos leva para outra direção. Isso é absolute cinema.
Mais do que afirmar ou buscar respostas peremptórias, Mucura quer instigar sensações e provocar as certezas de cada um sobre o que é uma história. O abalo emocional da protagonista termina por ser o nosso e assim o filme avança, sempre para reafirmar o enclausuramento e a não linearidade da história. Esse é um filme para se discutir, para cada um lançar uma versão sobre o que assistiu, um cinema aberto ao diálogo e sem ponto final. Um cinema vindo da região norte para nos mostrar outros mundos e desafios. É Rondônia mostrando vitalidade e força, para quem pensa que só existe cinema dentro da caixinha sudestina.
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