Texto por Marco Fialho
Albertina Carri é dessas cineastas raras, que precisamos ficar atentos. Dos seus 7 longas já realizados, apenas dois deles, As Filhas do Fogo (2018), e agora, Caiam as Rosas Brancas chegaram ao Brasil. Essas duas obras tem realmente afinidades entre elas, a começar por ambas serem um road movie e suas protagonistas serem uma diretora de filmes pornô. Mas a construção tem diferenças, em especial na narrativa empregada, afinal, o experimental está presente em Caiam as Rosas Brancas!
Esse filme de Albertina Carri inicia com um enunciado que se mostra coerente até o final do filme: "Ou inventamos ou erramos". Alguns podem até sintetizar essa experiência audiovisual como hermética ou extremada, mas Carri já demonstrou que gosta dos riscos e de encarar desafios. Em Caiam as Rosas Brancas! a inventividade fala alto e Carri realiza um filme para além do filme lésbico ao incorporar questões decoloniais com mais intensidade.
Carri gosta de trabalhar com seus coletivos lésbicos e aqui não é diferente, já que Caiam as Rosas Brancas! um grupo de amigas caem na estrada não necessariamente para fazer um filme pornô, mas sim para acudir um amigo no interior da Argentina. Mas o enredo é o que pouco importa aqui, o que vale são as experiências que elas vão somando pelo caminho. A assinatura autoral de Carri é algo que marca suas realizações, sempre motivadas por fantasias lésbicas e uma visão crítica à visão colonialista que herdamos de nosso processo histórico.
O filme de Albertina Carri é daqueles que desafiam o espectador, em especial por sua anarquia narrativa, que oscila e se quebra, às vezes dentro da própria cena, o que dificulta o exercício da lógica, já que a montagem não é um elemento exatamente organizador. Se em As Filhas do Fogo a narrativa mergulha no road movie, aqui ele serve apenas como detonador.
Se nas primeiras cenas imaginamos que Carri vai investir em mais uma aventura lésbica sem medo de ser feliz, logo isso se desfaz. Quando Violeta enguiça com sua van no meio do mato e encontra com uma mecânica sapatão que reboca o veículo para sua casa, onde vive com a sua companheira, tudo induzia para mais uma fantasia erótica interminável, ainda mais que elas conheciam os filmes pornôs de Violeta, o que na prática não se realiza.
Em Caiam as Rosas Brancas, Albertina Carri também discute o papel do artista e sua independência aos processos de financiamento da arte. Quando uma empresária as contrata para realizar um documentário sobre urbanização e aporofobia (aversão a pobre), elas topam pela necessidade do dinheiro. Até onde vai a liberdade do artista, se ele não tem os recursos para realizar seu trabalho de forma autônoma? São perguntas que o filme faz em vários momentos.
Mas é justamente nesse ponto do filme que Albertina Carri perde o rumo. Não só porque o roteiro dá uma guinada violenta, mudando o enfoque temático, mas sobretudo por cair em uma discursividade textual. Se até então a imagem vinha conduzindo o filme, agora, são as palavras que passam a falar por si, em um discurso daqueles que parece tirado de uma tese de mestrado, saído da boca de um tipo de vampira. Caiam as Rosas Brancas! cai em um perigoso abismo de falar demais e expressar pouco. O tema do decolonial se torna explícito pela fala e a imagem passa a existir apenas por ela. Fora que essa ideia do vampirismo branco e ocidental já está pra lá de batido.
Acredito ainda que Albertina Carri seja uma diretora para ser acompanhada, vista e discutida, pois há na sua mise-en-scène uma flagrante originalidade. Fiquei a pensar sobre o enunciado inicial, "inventamos ou erramos", e talvez ela quisesse dizer que só existe acerto quando inventamos. A presunção dessa assertiva é, de certo, ousada, embora a inventividade não seja sempre garantia de muita coisa. Caiam as Rosas Brancas! tem seus méritos e bons momentos, uma pena que o seu terço final não faça sentido com o restante da obra, e a atire, de maneira suicida, de um penhasco discursivo nada inventivo.
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