Texto por Marco Fialho
Quando a Luz Arrebenta é um filme vindo da Islândia, que trata do difícil tema da perda, em especial quando ainda se é jovem, com uma vida inteira pela frente. O diretor Rúnar Rúnarsson aborda com grande sensibilidade a história de Una, uma menina que enquanto luta para se tornar a namorada oficial de Diddi (Baldur Einarsson), que está prestes a largar Klara (Kátia Njálsdóttir) para enfim assumir Una e retirar o romance deles do segredo.
Com o acidente fatal de Diddi, todo esse drama se desloca para os sentimentos de perda que todos os amigos sentem com muita intensidade. Diddi é jovem e líder de uma banda de rock, em que Una também faz parte. Apesar do peso que cada imagem possui, pegamos a câmera de Rúnnar em movimentos constantes nas cenas, como no túnel e mais ao final no mar, como se ele dissesse da necessidade de sempre ir para frente e da inevitabilidade do tempo.
O melhor de Quando a Luz Arrebenta é a direção de Rúnar, como ele conduz toda a crise e sofrimento por meio de imagens muito bem arquitetadas. A fotografia do filme, além de ser funcional, é radiosa ao jogar com imagens repletas de significados tanto do crepúsculo quanto da aurora. O filme inicia no crepúsculo e termina no amanhecer numa analogia de que o tempo não para.
A atriz Elin Hall arrasa na entrega ao interpretar com grande sensibilidade Una e ela se revela uma protagonista de mão cheia, ao selar a dor de sua personagem em cada expressão ao ver seus sonhos se despedaçarem. A câmera a procura com tenacidade, tamanho o magnetismo que se estabelece na mise-en-scène. A cena em que Una dança freneticamente, como se exorcizasse suas dores, a câmera parece querer invadir seus sentimentos ao grudar nela que balança o corpo com intensidade. Uma das cenas mais bonitas do filme é quando Una e Klara, na mesma festa, se olham através de um vidro e as imagens dos seus rostos se fundem, lembrando muito a famosa cena de Persona, do mestre Ingmar Bergman, quando Liv Ullmann e Bibi Andersson unificam suas imagens. É como se a partir daí a relação delas mudasse radicalmente.
Quando a Luz Arrebenta me remeteu ao filme A Liberdade é Azul (1993), do polonês Krzysztof Kieslowski ao trabalhar com uma morte inesperada que obriga os personagens que viviam em torno do morto, a ter que encarar a vida a partir dessa difícil ausência. Na obra de Rúnar, Una e Klara não estão minimamente preparadas para encarar o desafio. Mas a direção desenha um arco interessante para as duas, que apesar da desconfiança mútua inicial, vão se apegando uma a outra como se ambas tivessem a consciência que guardam algo da alma de Diddi, além de um enorme afeto que sentiam por ele.
A palavra afeto talvez seja a mais expressiva e verdadeira para sintetizar essa triste história, filmada com grande paixão e carinho por Rúnar Rúnnarsson. Mas a semelhança com o filme de Kieslowski vai além da temática. O clima de algumas cenas, com uma trilha musical que aos poucos também aproxima uma obra da outra. É interessante como o público a todo instante ganha um espaço de respiro nas cenas e se torna cúmplice das dores dos personagens. A sororidade da cena final encanta ainda pela grande dose de afeto envolvido.
Maravilhosa análise!
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