Pular para o conteúdo principal

QUANDO A LUZ ARREBENTA (2024) Dir. Rúnar Rúnarsson


Texto por Marco Fialho

Quando a Luz Arrebenta é um filme vindo da Islândia, que trata do difícil tema da perda, em especial quando ainda se é jovem, com uma vida inteira pela frente. O diretor Rúnar Rúnarsson aborda com grande sensibilidade a história de Una, uma menina que enquanto luta para se tornar a namorada oficial de Diddi (Baldur Einarsson), que está prestes a largar Klara (Kátia Njálsdóttir) para enfim assumir Una e retirar o romance deles do segredo. 

Com o acidente fatal de Diddi, todo esse drama se desloca para os sentimentos de perda que todos os amigos sentem com muita intensidade. Diddi é jovem e líder de uma banda de rock, em que Una também faz parte. Apesar do peso que cada imagem possui, pegamos a câmera de Rúnnar em movimentos constantes nas cenas, como no túnel e mais ao final no mar, como se ele dissesse da necessidade de sempre ir para frente e da inevitabilidade do tempo.   

O melhor de Quando a Luz Arrebenta é a direção de Rúnar, como ele conduz toda a crise e sofrimento por meio de imagens muito bem arquitetadas. A fotografia do filme, além de ser funcional, é radiosa ao jogar com imagens repletas de significados tanto do crepúsculo quanto da aurora. O filme inicia no crepúsculo e termina no amanhecer numa analogia de que o tempo não para. 

A atriz Elin Hall arrasa na entrega ao interpretar com grande sensibilidade Una e ela se revela uma protagonista de mão cheia, ao selar a dor de sua personagem em cada expressão ao ver seus sonhos se despedaçarem. A câmera a procura com tenacidade, tamanho o magnetismo que se estabelece na mise-en-scène. A cena em que Una dança freneticamente, como se exorcizasse suas dores, a câmera parece querer invadir seus sentimentos ao grudar nela que balança o corpo com intensidade. Uma das cenas mais bonitas do filme é quando Una e Klara, na mesma festa, se olham através de um vidro e as imagens dos seus rostos se fundem, lembrando muito a famosa cena de Persona, do mestre Ingmar Bergman, quando Liv Ullmann e Bibi Andersson unificam suas imagens. É como se a partir daí a relação delas mudasse radicalmente.   

Quando a Luz Arrebenta me remeteu ao filme A Liberdade é Azul (1993), do polonês Krzysztof Kieslowski ao trabalhar com uma morte inesperada que obriga os personagens que viviam em torno do morto, a ter que encarar a vida a partir dessa difícil ausência. Na obra de Rúnar, Una e Klara não estão minimamente preparadas para encarar o desafio. Mas a direção desenha um arco interessante para as duas, que apesar da desconfiança mútua inicial, vão se apegando uma a outra como se ambas tivessem a consciência que guardam algo da alma de Diddi, além de um enorme afeto que sentiam por ele. 

A palavra afeto talvez seja a mais expressiva e verdadeira para sintetizar essa triste história, filmada com grande paixão e carinho por Rúnar Rúnnarsson. Mas a semelhança com o filme de Kieslowski vai além da temática. O clima de algumas cenas, com uma trilha musical que aos poucos também aproxima uma obra da outra. É interessante como o público a todo instante ganha um espaço de respiro nas cenas e se torna cúmplice das dores dos personagens. A sororidade da cena final encanta ainda pela grande dose de afeto envolvido.   

Comentários

Postar um comentário

Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...