Texto de Marco Fialho
Touch pode até ser uma história já manjada, em que o protagonista embarca em uma viagem inspirada em suas memórias, mas ainda assim, não deixa de ser fascinante. O filme passeia entre o final dos inebriantes anos 1960 até a eclosão da pandemia do Coronavírus em 2020, épocas bem destoantes tanto para o protagonista Kristófer quanto historicamente para a humanidade, e é nessa dicotomia que o filme mais cresce e se estabelece.
Há um sentimento constante de melancolia impregnando cada cena de Touch, em especial quando sabemos de antemão que Kristófer está só em 2020 e vai atrás de uma história luminosa que viveu em 1969, quando estava em Londres para estudar Economia e acabou trabalhando em um restaurante japonês. Tudo porque lá ele conhece Miko, a jovem filha do dono do restaurante, por quem se apaixona perdidamente. Miko foi gestada logo após a bomba atômica em Hiroshima, sua cidade natal, e essa circunstância vai impactar também decididamente no seu futuro. A cultura japonesa se faz presente não só pela tragédia da bomba atômica, mas ainda na culinária, que invade vários diálogos entre personagens.
Uma das marcas de Touch é o presente incerto, tanto pela idade do protagonista quanto pelo mundo pandêmico, fora a tristeza nossa e de Kristófer ao visitar os lugares de memória e vê-los transformados e como contrastam com o passado brilhoso de um mundo repleto de esperança e descobertas. A montagem vai trabalhando com extrema competência essa relação entre presente e passado, sendo deixando margens para ficarmos curiosos com as partes que ainda não conhecemos da história ou para saber como e quando acontecerá o encontro com Miko.
A química entre os jovens Kristófer e Miko impulsionam a trama, com diálogos sempre muito bem escritos entre eles. A câmera sempre consegue extrair ângulos significativos dos dois protagonistas, a maioria planos próximos e médios que capturam especialmente os olhares de Kristófer, Miko e do pai da menina. O diretor Baltasar Kormákur cria um contraste fotográfico interessante ao criar uma Londres quente nas imagens (muito pelo olhar quente de Kristófer aos fatos da época), mesmo que saibamos o quanto cinza essa cidade é de fato e o quanto ela é conhecida pelas chuvas e pela cor cinza. Curiosamente, são as cenas de 2020 que mais possuem o tom acinzentado. Mas cinema tem esse dom de por cores nas cinzas, desde que isso ajude na reconstituição de momentos felizes vividos pelos personagens.
Touch não deixa de ser um filme tomado por uma forte camada onírica, daqueles breves e intensos momentos do passado que valem por toda uma vida. Essa é a melancolia de Touch, essa capacidade de extrair o máximo da felicidade e da promessa do amor duradouro, para depois contrastá-lo com um sentimento profundo de irrealização. Fica a impressão de que a vida entre os anos de 1969 e 2020 poderia ser apagada e subtraída do calendário de Kristófer e Miko. Captar a beleza fugidia de um tempo preciso e infindo para os personagens é o maior mérito do filme.
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