Pular para o conteúdo principal

TODAS AS ESTRADAS DE TERRA TÊM GOSTO DE SAL (2023) Dir. Raven Jackson


Texto de Marco Fialho

Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal, da diretora Raven Jackson, narra poeticamente a vida de Mack (Kaylee Nicole Johnson), uma menina e mulher negra que viveu e cresceu às margens do Rio Mississipi. Nota-se desde a primeira cena, o talento fotográfico de Raven, esse que é um ofício no qual a diretora possui um lastro como profissional. Esse é o seu primeiro filme como diretora e ao que tudo indica, retrata algo muito pessoal e orgânico. 

O filme me remeteu muito a um álbum de fotografias, com o seu um quê de nostalgia e solidão. Os planos são longos de modo a estender a dimensão temporal das cenas. Há ainda um visível elemento cíclico onde a água (da chuva e do rio) e a terra (as estradas e o barro) estão não só presentes como se tornam recorrentes durante toda a trama.

A diretora Raven Jackson opta por um caminho muito mais sensorial para contar a sua história do que construir cenas muito explicativas, os tempos se embaralham, a trama alterna entre passados e presente, sempre tendo Mack como o elo que permite o espectador se reconectar com essas temporalidades. A ideia de ancestralidade paira pelo filme, com imagens da avó e da mãe que nos lembram sempre o quanto essa personagem é formada pelas águas e a terra de Mississipi.

Em Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal, o tom intimista prevalece sobre uma história a ser contada com muitos detalhes. Ficamos mais com as impressões de Mack, seu amor por Wood, que perpassa a infância, se expande pela juventude e lhe deixa uma filha para criar. Inclusive, a câmera de Raven Jackson parece sempre se desviar de Wood, seu rosto está como ele, fugidio. Há um esteio de vidas femininas e o olhar de Raven é sobretudo para essas personagens, como a irmã de Mack, sua avó e mãe. O maior personagem masculino é o do pai. 

Como o filme se pauta muito numa ideia de ciclo vindo da natureza, há cenas, como a primeira, onde o pai ensina Mack a pescar e a mãe a cortar o peixe. Raven Jackson mostra Mack como uma menina muito sensível, conectada com a natureza que a cerca e a brinda com momentos especiais, mesmo quando parecem os mais corriqueiros, como o ato de apreciar uma chuva com a filha lhe falando sobre a benção que são as águas ou do prazer de comer uma pedra de barro com a irmã.

Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal tem momentos muito bonitos, bem fotografados, com um som que consegue captar o mundo ao invés de inserir músicas que poderiam sugestionar algum sentido ou sentimento. Só senti falta de mais fatos que dariam mais consistência e corpo à história. Mas o filme não deixa de ser uma bela viagem sensorial à trajetória de Mack, onde os sorrisos e as lágrimas estão presentes igual medida e o título não deixa de evocar as lágrimas. Eu diria que essa é uma obra para se deixar imergir e se permitir contemplar pelos poros da pele.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

GODZILLA - MINUS ONE

Texto de Marco Fialho O maior mérito de "Godzilla - Minus One" está na maneira como o diretor Takeshi Yamazaki conjuga a história narrada com o contexto histórico do Japão pós segunda guerra. O monstro Godzilla é fruto direto do efeito nuclear provocado pela bomba atômica lançada pelos Estados Unidos.  O filme funciona como uma resposta à vergonha japonesa ao difícil processo de reconstrução do país, como algo ainda a ser superado internamente pela população. A partir desse fato, há um hábil manejo no roteiro para que a história funcione a contento, com uma boa fluência narrativa.  Aqui o monstro é revelado desde o início, não havendo nenhuma valorização narrativa, ou mistério, sobre a sua aparição. Mas se repararmos com atenção, "Godzilla - Minus One" é  um filme de monstro, embora se sustente tendo na base um melodrama de dar inveja até aos mais radicais da safra mexicana dos anos 1950. A história parte de Koichi, um piloto kamikaze que se recusa a executar uma or

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteiramente to

ÁLBUM DE FILMES VISTOS EM 2024

Nesta página do CineFialho, o leitor encontra todos os filmes vistos no decorrer de 2024, com cotação, um pequeno comentário ou o link para a crítica do filme. 212) A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora COTAÇÃO: 9 Crítica:  A FLOR DE BURITI (2024) Dir. João Salaviza e Renée Nader Messora (cinefialho.blogspot.com) __________ 211) SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho COTAÇÃO: 3 Crítica:  SALAMANDRA (2024) Dir. Alex Carvalho (cinefialho.blogspot.com) __________ 210) UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM COTAÇÃO: 6 Crítica:  UM LUGAR SILENCIOSO: DIA UM (2024) Dir. Michael Sarnoski (cinefialho.blogspot.com) __________ 209) CASA IZABEL (2024) Dir. Gil Barone COTAÇÃO: 6 Crítica:  CASA IZABEL (2022) Dir. Gil Barone (cinefialho.blogspot.com) __________ 208) TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand  COTAÇÃO: 7 Crítica:  TESTAMENTO (2024) Dir. Denys Arcand (cinefialho.blogspot.com) __________ 207) BANDIDA: A NÚMERO UM (2024) Dir. João Wainer COTAÇÃO: 4 Crítica:  BANDIDA: A NÚMERO UM (