Texto por Marco Fialho
O Castigo, dirigido por Matías Bize, é um drama de grande impacto dramatúrgico e cinematográfico. O diretor transforma seu fiapo de história em um grande teatro a céu aberto. A história do casal Ana (Antonia Zegers) e Mateo (Nestór Cantillana), cujo filho de sete anos desaparece em um região de floresta na Argentina, logo depois que os pais o abandonam para lhe dar um castigo, lança uma intriga familiar densa desde o começo, que só vai se intensificando a cada novo momento.
A decisão de Matías Bize de filmar tudo em um único plano-sequência é o grande achado do filme. Apesar do cenário ser amplo, o de uma estrada cujo entorno é todo de uma floresta, há uma sensação de sufocamento incessante, pois a câmera está sempre a registrar a angústia do casal. A estrada e a beira da floresta (a câmera jamais adentra tão fundo nela) formam o palco dos 87 minutos que para os espectadores voam. Essa falta de interrupção da câmera (não há um corte feito em um fundo preto ou branco) aumenta a tensão e faz os atores viverem com muita verdade as cenas que a câmera vai cuidadosamente desenhando.
O que mais me fascinou em O Castigo foi o tom certo empregado nas cenas, desde os momentos mais tensos até os que se busca algum equilíbrio emocional frente ao drama extremo. É preciso destacar o quanto todas as situações foram ensaiadas com grande precisão, não há deslizes nem nas interpretações nem no movimento da câmera, que consegue boa estabilização mesmo estando na mão durante todo o tempo, sempre manuseada por Gabriel Díaz, que também assina a fotografia do filme.
Há de se destacar portanto a combinação e a sincronização do roteiro de Coral Cruz com a direção de Matías Bize. O que sabemos desde o início contrasta frontalmente com o que saberemos na parte final do filme. Se na primeira parte temos a preocupação pelo desaparecimento do menino; na segunda o que emerge na história é a sua capacidade de adentrar na rotina dessa família de uma maneira desconcertante. Há um momento de explosão onde a trama toma um novo ritmo a partir das revelações da personagem Ana. O que ouvimos é algo profundo, sincero e que coloca o mundo dessa mulher em outra perspectiva. Primeiro, Coral Cruz e Matías Bize nos levam para um julgamento dessa mãe, depois obrigam que nós passemos a observar a vida dessa mulher sob outros ângulos. A vida dela torna-se o central e se sobrepõe ao próprio drama da perda do filho. Inclusive, O Castigo, em certo momento nos pergunta: o que significa realmente a perda? O filme vem e nos joga na cara as tantas perdas que sofremos em nossa trajetória e algumas provocadas por nós mesmos.
Confesso que há muito um filme não puxa meu tapete da forma que O Castigo fez. E com que final somos agraciados por Coral e Matías. Eu diria que o final é digno de um filme do neorrealismo italiano, já que nos obriga a pensar o drama a partir do fato que nos é posto à frente. Quando os créditos sobem, ficamos a imaginar sobre como aquelas vidas irão continuar suas trajetórias. A pergunta sobre o que virá se impõe, só que o filme nos impinge a ficar com ela. Nos deixa com uma baita batata quente nas mãos e mexe poderosamente com nossas cabeças. O Castigo tem o potencial de se projetar da tela e ganhar o mundo. Fiquei a pensar o quanto as indagações de Ana baterão forte em muitas mulheres. Esse é um filme que tem a capacidade de interrogar e impactar o mundo no seu ponto mais nevrálgico, o das decisões que tomamos na vida e que muitas vezes elas são irreversíveis. Se isso não é puro cinema contemporâneo, eu não sei mais o que é.
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