Texto por Marco Fialho
Não há dúvidas que o tema da pedofilia é um dos mais importantes a serem tratados pelo cinema. O problema é que Um silêncio, dirigido por Joachim Lafosse, torna o tema desinteressante do ponto de vista cinematográfico. O famoso "quase nada acontece aqui" é a norma do filme, e olha que o tema poderia render muitas discussões pertinentes.
Nem a presença de atores como Daniel Auteuil e Emmanuelle Devos salvam o filme de alguma forma. Ambos estão apagados, tanto fazia se ter outros atores em seus lugares. Um dos maiores problemas é Um Silêncio não ter um roteiro que realmente permita que os personagens retirem dele algo de substancial. A maneira expositiva e lenta da encenação pouco ajuda que a obra seja vista por uma ótica mais profunda. Matthieux Galoux não emplaca seu personagem ao primar por uma acentuada apatia interpretativa.
Como a história começa pelo fim, ficamos na espera que não apenas os fatos se enfileirem, como também que os personagens sejam nutridos de sentimentos e motivações, mas tudo ocorre rigorosamente como descrito na cena inicial por Astrid. O diretor não preenche nada, o que leva tudo para o desinteresse apesar do tema suscitar interesse. O que motiva o tal silêncio de todos por tantos anos, em especial a de Astrid, a esposa. Um Silêncio não sabe se cuida da parte notória do caso ou se prioriza as relações familiares, apesar de se apoiar mais nessa última.
A construção dos planos de Um Silêncio é outro ponto a colaborar com a apatia narrativa do filme. Joachim Lafosse escolhe planos que retiram a dramaticidade das cenas. Fica a impressão que o diretor é o maior responsável pelo silêncio, como se quisesse ele acobertar a pedofilia de 30 anos do advogado de sucesso. As escolhas de Lafosse culpabiliza Astrid, como se o silêncio dela fosse o grande algoz da história. Subliminarmente há um quê de misoginia no roteiro e na abordagem da direção. O diretor ainda silencia a principal voz de resistência aos atos criminosos do grande advogado: sua filha Caroline (Louise Chevillotte). Seu rosto não aparece nas cenas. Ou ela está longe, com a câmera colocada por trás da porta ou é filmada de perfil, onde praticamente não vemos o seu rosto. É um tipo de invisibilização que a direção faz com a personagem mais corajosa, a que não tem medo de enfrentar o agressor.
O que Joachim Lafosse faz é levar um adolescente ao banco de réus, e assim retirar o foco no ato abjeto do grande advogado, que a todo instante apenas diz que se curou de sua doença, mesmo que tenha feito mais de 7.000 acessos a vídeos pornográficos envolvendo menores de idade. E o fato dele ter estuprado uma pessoa? Isso vai lentamente sendo jogado para debaixo do tapete. Um Silêncio é assim mesmo, um filme para se esquecer ao seu final e o nosso silêncio é de constrangimento por termos assistido a um filme tão desimportante para o tema e esquecível.
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