Texto por Marco Fialho
Em tempos de remakes e continuações, o mercado de exibição tentam resgatar novos ares por meio de uma onda de revivals, entre eles, o filme Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, em que o diretor Tim Burton pouco arrisca nessa versão século 21 do clássico Os Fantasmas Se Divertem (1988). Qual seria a necessidade de trazer à baila novamente alguns personagens 36 anos depois do grande sucesso da obra original? Essa é uma pergunta pertinente e que lá no final da crítica eu vou dissertar com mais cuidado e atenção.
Por ora, voltemos ao filme. O primeiro terço dele até cria uma sensação de que algo poderia acontecer e nos surpreender, mas isso não ocorre porque vemos a massa desse bolo narrativo desandar e chegar a solar nos dois segundos terços do filme. A presença de Winona Ryder e Michael Keaton é o que mais funciona nessa continuação e o que impede o fracasso total da produção.
A direção de Tim Burton até tem seus momentos de beleza, em especial no que se refere ao visual do filme. Quando logo no início o personagem do grafiteiro cai em um bueiro, ele conhece um subterrâneo esculpido com toques visivelmente expressionistas, com pisos enviesados e ambiente claustrofóbico. É justamente o momento em que o personagem de Danny DeVito aparece em cenas de certo alívio cômico. Mas Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice vai sobrevivendo por aparelhos, por alguns breves instantes e cenas isoladas, pois o que mais o marca é um desequilíbrio constante da narrativa, que oscila e se perde em malabarismos visuais e um excesso de personagens desperdiçados.
Ainda no início do filme havia uma certa promessa, um bom jogo cênico estabelecido entre a encenação da maquete da cidade e o aparecimento de Beetlejuice para a personagem de Winona Ryder (Lydia). Porém, quando o filme alcança a parte mais fantasiosa ele se perde, dando um enfoque exagerado na aventura e abandonando a consistência dos personagens. Tudo lembra um surrealismo mal pensado e sem consistência, um arremedo que se apaga por um enfoque no aspecto da aventura e da montagem acelerada. A falta de respiro entre as cenas cria um acavalamento de ações que não levam a trama muito longe.
Durante a projeção, alguns personagens aparecem e desaparecem da trama, caso de Delores, personagem de Monica Bellucci, que inicialmente se apresenta com força, mas vê sua criação sumir no enredo, voltando apenas nos minutos finais, quando já havíamos até a esquecido. Inclusive, falta substância nos personagens como um todo, em especial nos novos, como Astrid (Jenna Ortega), que não consegue imprimir força na personalidade conflituada e carente da figura paterna e que quando o encontra não estabelece uma relação realmente consequente. O mundo dos mortos não traz muitos personagens cativantes, já que Burton se contenta apenas em desenvolvê-los no campo visual, mas não dramatúrgico. O próprio pai se configura por um rosto tomado por peixes dependurados, evocando sua morte em alto-mar, mas o seu personagem se reduz a isso, aos detalhes ditados pela maquiagem.
Um dos elementos mais importantes da comédia original de 1988 está no fato dos fantasmas realmente se divertirem, deles serem uma espécie de desconstrução do gênero terror e de se transmutarem para o gênero cômico. Esse brilho, definitivamente não há em Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, que não tem a leveza esperada. Quem mais surpreende na história é o personagem de Willem Dafoe, que entrega algo de sinistro, cômico, e com um toque zombeteiro, tudo na mesma medida.
Mas é o Besouro Suco quem mais salva o filme de uma completa catástrofe. A sua aparição é quase sempre divertida e com um Michael Keaton muito à vontade no papel, com uma pitada de um prazer visivelmente saudosista. Há um sentimento de reencontro com um personagem importante para a sua carreira de ator. O auge tanto da sua atuação quanto de Winona Ryder é o número musical, um dos momentos realmente que fez jus vermos Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice, onde há um glamour estampado.
Creio que assistir a Os Fantasmas Ainda Se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice reafirmou uma convicção que tenho sobre a crise criativa que vive a Hollywood de hoje, com roteiros mal ajambrados, pobres no que tange ao desenvolvimento de personagens, e saturados do que oferecem de melhor: o apelo visual. Resolver as fragilidades essenciais se refugiando na predominância dos chamados fundos azuis e efeitos CGI, pode até aparentar ser confortável, embora não seja o caminho mais coerente a ser perseguido, por não conseguir ofuscar os problemas evidentes de não ter o que dizer. Ou se estabelece como uma narrativa dominadora e não inclusiva de outras formas narrativas ou se atribui somente a necessidade do entretenimento. Divertir por divertir levou o cinema de Hollywood para um vazio sem fim. Filmes como Coringa (2019) possuem uma importância por trazer novas perspectivas e quebrar a dualidade fácil do mocinho do bem contra um vilão que precisa ser aniquilado para se manter a harmonia de um status quo duvidoso.
Essas quantidades de remakes, franquias e continuações, evidenciam as muletas utilizadas por essa indústria poderosa, mantida hoje apenas pelo oligopólio do mercado. O risco para Hollywood tornou-se um óbice, um elemento a atravancar um sucesso fácil. Investir no que o público conhece mostra uma enorme insegurança e uma aposta na mediocridade como caminho mercadológico. O medo do fracasso vai acabar arruinando essa indústria que já teve a força e a inteligência de nomes como Billy Wilder, Frank Capra, John Ford, Otto Preminger, William Wyler e tantos outros que atraíam o interesse de público e crítica mundo afora pela complexidade de suas mise-en-scènes.
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