Texto de Marco Fialho
A Grande Fuga, dirigido por Oliver Parker, junta dois temas que normalmente caem no gosto popular: o filme de guerra ou de memórias dela e o de personagens fisicamente fragilizados. A fragilidade em A Grande Fuga é devido à idade avançada do casal Bernie (Michael Caine) e Rene (Glenda Jackson), moradores em uma casa de repouso na Inglaterra. A obra trata de uma história real, de um ex-combatente (Bernie), participante na célebre invasão à Normandia, em 1944, em plena Segunda Guerra Mundial. Evento este que em 2014, completou 70 anos. Bernie perde a data para ir ao evento pelas vias oficiais e mesmo assim resolve ir por conta própria, em um plano que inclui uma fuga da casa de repouso.
Todo o roteiro foi escrito para que Michael Caine e Glenda Jackson pudessem brilhar com seus personagens. Oliver Parker explorou as memórias de guerra de Bernie e as mais românticas vindas de Rene. Esse fato torna o filme muito esquemático ao individualizar parte da memória que também comum ao casal. Com isso, a montagem ficou fragmentada em demasia, com tantas memórias que além de pouco ajudarem na história, acabam por cansar o espectador.
Mas outro grande obstáculo do filme está no presente de Bernie, pois o roteiro não consegue engatar na ação do personagem em solo francês elementos realmente estimulantes, o que deixa o filme muito preso à motivação de fuga de Bernie e o alcance midiático do fato em si. A relação entre Bernie e Arthur, outro ex-combatente interpretado pelo ator John Standing, não funciona na trama e este fica meio que pairando sobre Bernie, sem despertar grandes interesses pela sua história e sem agregar quase nada à história de Bernie, a não ser como uma espécie de substituto do personagem Douglas Bennett (Elliot Norman), uma culpa que Bernie carrega consigo da época do desembarque na Normandia em 1944.
Pela maneira que Oliver Parker vai edificando sua história, torna-se bastante inevitável o rumo melodramático e apelativo que o filme vai consolidando a cada nova cena. Destaco aqui a cena em que Bernie vai visitar o túmulo de Bennett no cemitério, onde a câmera está a princípio priorizando o plano próximo em Bernie, para logo depois se afastar para cima, em uma grua, até revelar os milhares de mortos na Normandia, enquanto Bernie faz um discurso contra a inutilidade e o horror da guerra. Mas como esquecer que justamente essa não foi mais uma guerra inútil como praticamente todas o são, foi para aniquilar um regime violento, supremacista e intolerante às diferenças, como foi o nazismo e o fascismo, que ainda hoje atormentam e ameaçam a vida sobre a Terra.
Outro elemento que considero ter funcionado mal na trama de A Grande Fuga é a da história de amor, em especial pela má escolha do elenco jovem que interpretam Bernie e Rene. Will Fletcher não consegue manter a consistência de seu personagem e até nas cenas românticas parece desconfortável contracenando com Laura Marcus como a jovem Rene. Contudo, não são somente as cenas do passado que incomodam, a que Bernie encontra no presente Heinrich (Wolf Kahler), um soldado nazista também participante do evento de 70 anos da invasão à Normandia, eleva o filme ao nível do patético, ao permitir que Bernie faça uma estranha, contraditória e constrangedora reverência ao soldado nazista.
Entretanto, se há um mérito e brilhantismo em A Grande Fuga eles estão contidos em peso na interpretação de Glenda Jackson como Rene. Realmente, o seu trabalho é impecável e responsável pelas únicas cenas a salvarem o filme. É incrível como ela empresta o seu talento incomensurável à trama frágil e dignifica soberbamente a personagem. Cada aparição dela ilumina e se transforma em graça. Por meio dela temos acesso a um viés cômico bem explorado, tanto pelas nuances que imprime na pesquisa corporal quanto na força que retira de uma personagem frágil fisicamente, mas com uma mente munida de uma potência surpreendente. O que dizer dela ouvindo e dançando swing, a música marcante de sua juventude, e mesmo que Oliver Parker se esforce por estragar as cenas dela com a inserção de outras música melosas ao fundo, Glenda consegue impor sempre a sua personalidade grandiosa de atriz.
No mais, o que A Grande Fuga imprime é a culpa de Bernie perante o mundo, uma pena para Michael Caine, que fica preso a uma construção apelativa de seu personagem e que por mais que se empenhe em demasia para entregar o melhor, sempre tem que performar pelo inusitado do acontecimento e nunca pela força desse personagem. Oliver Parker até o final se esmera em tornar as cenas superficiais e edificantes, como se quisesse dizer o quanto a vida é maravilhosa e nos guarda imensas surpresas até o seu fim. Só que da maneira como ele filma e introduz os elementos cinematográficos, tudo se torna muito artificial e forçado, como se sublinhar uma mensagem edificante sobre a vida fosse a tarefa primeira de seu filme, o que acaba por desperdiçar atores brilhantes para um resultado insosso e sem brilho, por mais que realize uma cena final sustentada por um pôr-do-sol daqueles de tirar o fôlego de qualquer pessoa, como se isso amainasse e compensasse todos os equívocos políticos e reflexivamente frustrantes que a obra entrega durante os 90 minutos que precederam a essa bonita cena.
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