Texto por Marco Fialho
Sorry, Baby, chama a atenção para o trabalho da direção cinematográfica de Eva Victor de maneira contundente. Suas escolhas narrativas são muito bem orquestradas, em especial como constrói a personagem Agnes, interpretada por ela mesma, com cenas que vão trazendo a personagem aos poucos para junto do espectador. Esse é um filme com grande lastro humanista ao penetrar na alma de uma personagem de modo bastante especial, sem maiores estardalhaços, mas com profundidade.
Há uma paciência dramatúrgica que é muito interessante de ser observada, de como a personagem de Agnes vai se revelando a si mesma e as diversas situações que moldaram suas atitudes perante a vida. Sorry, Baby talvez seja uma das melhores construções de personagem que assisti nos últimos anos no cinema contemporâneo. Ela surge para nós inicialmente como uma menina tímida do interior, mas aos poucos a mise en scène de Eva Victor revela gradativamente uma personagem forte, quando a princípio parecia fraca e quase indefesa.
Agnes é sedimentada em sua relação com colegas de turma e professores que dividiram o meio estudantil universitário com ela. Na escola, se mostra uma aluna extraordinária, inteligente e discreta, o que provoca inveja de uma de suas colegas de faculdade. Eva Victor filma Sorry, Baby por episódios, porém, sem seguir uma ordem cronológica, todos devidamente nomeados e que trazem épocas específicas e determinantes da vida adulta de Agnes.
Eva Victor como diretora privilegia uma câmera austera, fixa e quando muito com movimentos devidamente controlados, sem atribulações ou excessos. Creio ser a sutileza a melhor característica dela como cineasta, há uma maturidade na construção dos planos, com escolhas de enquadramentos muito bem pensados, fazendo o espectador mergulhar na vida comum e sedutora dessa mulher aparentemente desinteressante e que aos poucos vamos gostando pela coerência e beleza de suas discretas atitudes.
Como é bonito ver uma cineasta realizando um filme sem grandes alardes e pretensão, sóbrio, mas ciente do que quer discutir. O cotidiano de Agnes vai costurando a difícil vida de uma mulher no mundo contemporâneo, suas ambições profissionais, a complicada situação de ter que viver só, sem família e amigos, especialmente depois que a sua melhor amiga muda de cidade, se casa e tem um filho, o que a afasta mais ainda dela. A existência de Gavin, o vizinho que a socorre no quesito sexual, mesmo que de maneira atrapalhada, funciona como um alívio para ela, assim como um momento de leveza e até de comicidade pelos insistentes constrangimentos. A cena da banheira entre eles é emblemática e uma das mais sinceramente filmadas nos últimos anos.
Sorry, Baby é uma pérola daquelas que se escondem em meio a pedras tortuosas e cheias de ranhuras. A simplicidade das cenas sobeja um tipo de encantamento, como uma cobra que vai subindo ao som de uma flauta misteriosa. Eva Victor é uma grande criadora de cenas, pensadora de uma mise en scène impecável, daquelas que traduz o local de onde o filme está sendo feito. A personagem é a síntese do lugar e traz consigo a essência provinciana sem precisar sequer se mostrar a cidade ou os personagens que ali habitam.
Entretanto, Sorry, Baby é sobre Agnes e o seu processo de amadurecimento em meio a sua solidão, da dificuldade dela para adentrar na vida adulta como professora de uma Universidade, tendo que superar traumas do passado, como o estupro de um professor. Cinematograficamente, é extremamente bem filmado, um filme realizado por um olhar de uma mulher, que ressalta nos mínimos detalhes uma abordagem profunda, por promover conversas entre mulheres que somente uma mulher conseguiria filmar. A cena final de Agnes com a bebê da amiga diz tudo, sintetiza como o discurso e a prática estão devidamente embricados e caminhando juntos, uma beleza de plano final, para celebrar a maravilha que Sorry, Baby é, um presente envolto em uma simplicidade sincera e com reflexões maduras e necessárias acerca do mundo que vivemos.

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