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SEXA (2025) Dir. Glória Pires


Texto por Marco Fialho

O maior atrativo de Sexa é trazer a novidade de ver a estreia na direção da grande atriz brasileira Glória Pires, uma ícone do nosso cinema e televisão. Ao pensar nessa estreia por trás das câmeras acreditamos ser necessário entender a coerência da carreira dela como uma atriz essencialmente popular, devotada em sua grande maioria dos trabalhos por estabelecer uma relação direta com o público e Sexa foi realizado a partir dessa referência. 

Sexa traz essa marca primordial, a de ser um cinema popular, pouco voltado para o campo reflexivo, e inteiramente entregue a um cinema expositivo, onde todas as intenções estão explícitas, não cabendo ao público buscar sentidos ocultos durante a sua fruição. Glória Pires além de diretora também interpreta a protagonista, Bárbara, uma mulher que completa 60 anos e que está em crise com a idade que avança sobre o seu corpo.

O maior problema de Sexa é justamente não conseguir sair do banal, das frases feitas e previsíveis. O roteiro de Guilherme Gonzalez é raso e algumas falas de Glória Pires saem forçadas de sua boca, o que é um fato raro em sua carreira de atriz. Bárbara tem uma vizinha, Cristina, interpretada por Isabel Filardis, em uma interpretação errática, fora do tom do filme, que abraça mais uma trama romântica enquanto Filardis encampa mais um tom cômico que soa deslocado, artificial e sem graça. Suas falas parecem saídas de um livro de autoajuda, sempre voltadas para jogar para cima a vida de Bárbara. O filme no fundo não passa disso mesmo, de uma história de uma mulher aos 60 anos que descobre que pode ser feliz, ter prazer e curtir a vida, mesmo que tenha alguns obstáculos para ultrapassar no percurso. Sexa não avança além do superficial e cai no déjà-vu de tantas outras histórias do cinema popular contemporâneo calcadas na linguagem televisiva de nossas novelas. 

Por mais que a escolha e o uso da palavra sexa seja interessante, por estabelecer uma dualidade entre a nova idade de Bárbara e sua situação sexual ativa, em especial quando começa a namorar com Davi (Thiago Martins), 25 anos mais novo que ela, na prática tudo se torna banalizado e óbvio, pelos interesses diversos inerentes da diferença de idade, ela, revisora de livros, curte Clarisse Lispector e Sylvia Plath, enquanto ele, lê a coleção Harry Potter e O Senhor dos Anéis, quase que um tipo de Eduardo e Mônica descrito por Renato Russo em sua famosa canção lançada em 1986. 

Alguns detalhes incomodam gravemente em Sexa, como o uso das trilhas musicais, que remetem a quase todas as comédias brasileiras produzidas nos últimos anos. Todas se assemelham muito e parecem ter sido compostas pelo mesmo compositor. Virou uma marca insuportável e serve para a entrada de um clipe com imagens anódinas da cidade do Rio. Um pouco de criatividade cairia bem nesses casos. Outra parte bem complicada é a da relação de Bárbara com o filho (Danilo Mesquita), que além de insossa é intragável e às vezes constrangedora e misógina. Já a família de Davi, que se resume a uma filha e um pai (Eri Johnson), é mais aprazível, mesmo que fique à impressão de que falta um melhor desenvolvimento das conversas e relações no interior da família. A excelência de Glória Pires como atriz não aparece em Sexa, provavelmente porque ela não consegue criar essa personagem enquanto dirige, o que resulta em um dos trabalhos mais sem brilho e burocráticos dela.      

A verdade é que na sua estreia como diretora, Glória Pires não arrisca muito na escolha dos planos nem na fotografia em si. Sexa lembra aqueles produtos bem acabados realizados para a TV, sem ousadia, bem digestivo, um mero entretenimento para uma leve sessão da tarde, embora totalmente esquecível logo que dobramos a esquina para irmos para casa. Falta um desenvolvimento muito evidente de cada personagem, além de aprofundamento em algumas cenas, o que fragiliza o resultado final da obra. A única surpresa fica reservada lá na parte final, quando Rosamaria Murtinho no auge dos seus lúcidos 93 anos, faz uma ponta extraordinária no filme. Se há algo que valha o ingresso são os pouquíssimos instantes que ela está em cena falando besteira e fumando um beck à beira-mar.  

      

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