Texto por Carmela Fialho
O filme brasileiro Cyclone, dirigido por Flávia Castro (Diário de Uma Busca e Deslembro), conta com a excelente atuação de Luíza Mariane como protagonista. O projeto nasceu de uma peça onde Luíza já interpretava Cyclone e partiu das poucas informações disponíveis sobre a vida de Miss Cyclone, uma jovem escritora modernista que foi amante de Oswald de Andrade. O roteiro para o cinema foi assinado por Rita Piffer, que incorporou idéias de “O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo”, obra de Oswald de Andrade, e do texto “Neve na Manhã de São Paulo”, de José Roberto Walker, o que trouxe novas nuances para a biografia da escritora modernista.
Na vida real Miss Cyclone morreu jovem com 19 anos, vítima de um mal sucedido aborto de uma gravidez cujo pai era Oswald de Andrade. No filme, Cyclone é uma dramaturga, de origem operária que tem um relacionamento conturbado com um diretor de teatro casado e rico, explorador de suas criativas ideias teatrais e sem lhe conceder o devido crédito nos cartazes das peças. Ela concorre a uma bolsa de estudos em Paris, mas sofre com o machismo da sociedade patriarcal de 1919, em São Paulo, que desacredita de sua capacidade criativa.
O filme aborda diversas questões feministas, como o desejo de independência de Cyclone que sonha em ir para Paris e se firmar no teatro como dramaturga sem precisar do aval masculino. A gravidez indesejada, o aborto clandestino e a criminalização da mulher que não tem direito legal sobre seu corpo, problemas que até hoje são atuais no Brasil estão presentes no filme. Cyclone ainda discute a homossexualidade feminina, a violência contra a mulher e as opções de carreiras profissionais consideradas inalcançáveis para as mulheres, principalmente as vindas das classes populares.
A primorosa fotografia de Heloísa Passos e direção de arte de Ana Paula Cardoso proporcionam uma ambientação da cidade São Paulo no início do século XX, com a maioria das cenas na coxia e no palco do Teatro Municipal de São Paulo, locus do movimento modernista. O filme se inicia com uma cena em preto e branco de Cyclone sendo arguida pelo corpo de jurados para a seleção de uma bolsa de estudos em Paris e depois abre o colorido para contar a sua trajetória.
A maioria das cenas de Cyclone acontecem à noite ou em interiores, como no teatro ou na paupérrima casa onde Cyclone mora junto com uma família, que tem vários filhos, e ela ocupa um miserável quarto para escrever suas peças em meio ao tumulto de uma residência super populosa. A câmera na mão encampada pela direção de Flávia Castro acentua a instabilidade emocional de Cyclone e a tensão de uma mulher em ser artista em meio a uma sociedade preconceituosa, patriarcal e machista em pleno início do século XX.
O som também tem um papel primordial no filme já que Cyclone trabalha em uma gráfica e o barulho das máquinas compõe a atmosfera de angústia da personagem, que tenta a todo custo vencer as dificuldades financeiras conciliando o trabalho operário com o de dramaturga, além de ter que enfrentar o preconceito social quando decide viajar para Paris.
Apesar de ambientado no início do século XX, as questões levantadas pela obra se mostram bastante atuais e a narrativa introduz elementos interessantes com texturas e imagens distorcidas que trazem para o filme, uma atmosfera conflituosa e pesada da vida de Cyclone. Uma obra que merece ser apreciada e discutida, não só pelo tema que traz, assim como pela desafiadora concepção cinematográfica que enseja.

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