Texto de Marco Fialho
Eterno Visionário, dirigido por Michele Placido, é um filme de grande força dramática, bem encenado e interpretado. A direção propõe uma mise-en-scène criativa, lúdica, por vezes sinistra e melancólica, mas sem jamais perder a contundência. Os trechos da vida de Luigi Pirandello escolhidos para serem retratados formam um conjunto interessante que amarra bem vida e obra de um dos maiores dramaturgos italianos de todos os tempos.
A interpretação apaixonada de Fabrizio Bentivoglio como Pirandello é original, e sem dúvida, um dos acertos da direção de Michele Placido. Fabrizio por mergulhar na personalidade obscura e genial do autor nascido na Sicília (em Agrigento) e que fez fama mundo afora. As contradições de Pirandello, as dificuldades no relacionamento com os três filhos e a loucura de sua esposa Antonietta (uma interpretação para lá de convincente de Valeria Bruni Tedeschi), sua paixão platônica e vital por Marta Abba (uma Federica Luca Vincenti em estado de graça), a filiação ao fascismo e a consequente decepção a seguir, aparecem no filme. Todas essas nervuras estão presentes no psicológico de Pirandello, posto em cada representação corporal e no olhar penetrante de Fabrizio Bentivoglio.
A contagiante paixão de Pirandello e Marta Abba pelo teatro ecoa em cada cena e faz de Eterno Visionário uma obra de grande fôlego. A cenografia cuidadosa, os figurinos e a fotografia, compõe um exemplar visual de refino único, gracioso e de bom gosto. Os países e culturas entram em evidência com suas matizes de cores e vibração, independente da história estar a transitar por Roma, Estocolmo ou Berlim. Imageticamente, Eterno Visionário é impecável e segura cada desafio de trazer à tona detalhes da personalidade conflituada de Pirandello.
Michele Placido, comanda um roteiro inteligente, que conta com a colaboração de Matteo Collura e Toni Trupia, entremeado por épocas diversas para contar a trajetória de Pirandello, sem a preocupação da linearidade, mas pensando em como cada época se entrelaça à vida dele. O filme mistura fatos de sua vida privada com às próprias peças, que expunham coisas da vida privada que não eram comuns no início dos anos 1920. A direção mostra como uma de suas peças mais emblemáticas atualmente, Seis Personagens à Procura de Um Autor, causa um tremendo escândalo e rejeição em Roma no seu lançamento, com o público não preparado para a discussão sobre esses temas tão íntimos das famílias burguesas do início do Século XX.
Eterno Visionário capta uma característica desconcertante da vida de Pirandello, o seu sentimento de solidão e desamparo, logo depois que perde a esposa para a loucura e depois os filhos, que vão morar em outros países. O filho pintor vai para Paris, a filha vai para o Chile acompanhando o marido. Só resta a Pirandello o filho Stefano, além de sua laboriosa escrita extraordinária e inventiva. Placido também explora a decepção de Pirandello com a chegada da velhice, da difícil tarefa de se olhar no espelho nesse inevitável condição que a vida reserva a cada um de nós que chegar lá.
Mas o detalhe em Eterno Visionário que mais me chamou atenção foi uma maneira pontual em algumas cenas, de como o diretor Michele Placido trata a relação da câmera especialmente com o personagem de Pirandello. A câmera permanece ali estática na cena, a registrar um plano de conjunto, mas eis que Pirandello se aproxima dela para discursar diretamente para nós, quebrando a quarta parede, como se quisesse nos revelar algo de secreto. Essas cenas são as mais bonitas do filme e marcaram bastante a minha experiência com essa obra. Me senti nessas horas, em uma intimidade consentida com Pirandello, talvez algo perto daquela sinceridade humana que ele confessadamente buscou realizar no percurso de suas obras.

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