Texto por Marco Fialho
Que Yorgos Lanthimos é um diretor afeito à polêmica e a controvérsia todos nós sabemos, mas Bugonia (refilmagem de um filme coreano de 2003, chamado Save The Green Planet!) talvez seja o seu trabalho mais sólido e instigante até aqui, com poucos maneirismos que às vezes enfraquecem os trabalhos anteriores do diretor grego e por adentrar diretamente em mecanismos que delineiam pensamentos ideológicos presentes na contemporaneidade e que a fazem erigir conflitos intermináveis.
A trama é encabeçada por Teddy (um ótimo Jesse Plemons), um homem obcecado por uma teoria de que Michelle Fuller (Emma Stone), uma CEO de uma grande empresa, é alienígena que tem como objetivo destruir o nosso planeta. Teddy manipula seu primo Don (Aidan Delbis), inclusive ministrando remédios que alteram sua percepção do mundo, para por em prática seu plano de sequestrá-la para fazê-la confessar sua verdadeira identidade, assim como a sua diabólica estratégia, antes que a mesma retorne durante um eclipse para a sua galáxia. A implicância de Teddy começou depois que a empresa de Michelle usa a sua mãe como cobaia numa experiência médica, o que a deixou em coma.
Bugonia explicitamente se coloca como um filme sobre essas narrativas, não só as conspiratórias, mas todas as que circulam pelo mundo depois que incorporamos a internet como uma prática global e como substituta dos conhecimentos vindos dos livros. Cada qual acredita em sua verdade e Lanthimos explora esse viés da tecnologia para mostrar como os interesses econômicos são predominantes em um mundo tomado pela ignorância e a desinformação.
Primeiro vale pensar como Lanthimos organiza as cenas iniciais, por meio de uma montagem paralela que expõe as diferentes vidas de Teddy e Don, marcadas pela simplicidade, em comparação à rotina rica de Michelle, com cuidados especiais com a saúde, fazendo academia, defesa pessoal e com uma alimentação diferenciada. Enquanto a casa deles lembram aquelas velhas dos filmes de serial killer, a dela é contemporânea, com móveis planejados e cercada de vidros. São mundos diversos, um de pessoas situadas fora do âmbito do poder, e outra, imersa na influência política.
Lanthimos não faz uso de sua narrativa mais ousada, prefere ser mais clássico na condução imagética da história, dando um certo destaque apenas para a música que acentua uma eloquência que põe a imagem em suspensão. Há um suspense ainda salientado em uma temporalidade decrescente para a chegada do eclipse, assim, o diretor vai inserindo créditos de quantos dias faltam para o tal fenômeno astronômico. De resto, Lanthimos acrescenta dentro de uma ideia de thriller, uma ficção científica e um toque costumeiro de comédia ácida, um traço cinematográfico que pode ser considerado como uma assinatura típica do diretor em sua ampla filmografia.
O que Yorgos Lanthimos faz no decorrer de Bugonia é reafirmar as narrativas conspiratórias de Teddy e o seu enfrentamento com Michelle, submetendo a CEO a sessões de pesadas torturas com choques, além das correntes que jamais a abandonam. As cantilenas de Teddy são repetidas e Lanthimos mostra o quanto essas reiterações fomentam a formação de ideias que mesmo sendo absurdas, ganham força e sugestionam crenças e visões escalafobéticas sobre o mundo.
Evidente que Michelle representa algo severamente danoso para o mundo, já que se ampara na ambição desmedida e no enriquecimento de um pequeno grupo, mas daí a associá-la a uma conspiração interplanetária já é viagem. Teddy precisa ser visto como um lunático, para o bem de um mundo que precisa de justiça e não de ideias descabidas.
O melhor de Bugonia é quando Lanthimos aposta na teoria da conspiração, pondo o público em dúvida quanto a verdade contida nas suas imagens. A dúvida se Michelle é uma extraterrestre ou não, com certeza é o maior trunfo de Lanthimos como diretor. Mas devemos lembrar os detalhes da trama para que não caiamos nas esparrelas e nas pistas falsas de Lanthimos. Teddy e Don são castrados quimicamente e isso revela muito sobre sua personalidade doentia, de como ele realmente acreditava nos absurdos que dizia.
É bom lembrar que Michelle embarca na história de Teddy e o convence a voltar com ela para Andrômeda, mas todas as suas ações são rudimentares, como uma calculadora manual ser um comando para o teletransporte e um closet simples ser a cabine destinada para a viagem interplanetária, que Michelle só inclui na história depois de ver que Teddy estava envolto a explosivos caseiros no corpo, o que justificaria deixá-lo bem longe dela. Outro fato que ocorre, além dos choques que ela levou antes, é a pancada que recebe na cabeça na hora dele se teletransportar. Mas é importante se atentar que Bugonia é sobre narrativas e como elas obstruem a nossa maneira de ver o real. Lanthimos questiona, com virulência, o fato das narrativas se sobrepor ao que vemos e o quanto isso nos destrói como civilização.
Óbvio que Lanthimos nos apronta uma parábola sensacional não só sobre as narrativas conspiratórias (que nada mais são do que narrativas), mas também sobre o fim do mundo. Ele nos lembra que o homem com sua ambição está a destruir o planeta e o que fazemos verdadeiramente a respeito? Nada, continuamos a ir à praia, ao trabalho, fazendo sexo, almoçando e jantando, e assim vai. Arriscamos aqui a dizer que Bugonia é a grande obra de Yorgos Lanthimos, a que ele escreve uma bela alegoria sobre o grande fracasso que somos como humanidade, o quanto caminhamos cegos e inequívocos à autodestruição, nos perdendo em meio a ideias ilusórias sobre um mundo irreal, enquanto o mundo real está se destruindo a olhos vistos, sem que ninguém perceba por qual verdadeiro motivo afundamos.

Parece uma ótima proposta para reflexão.
ResponderExcluir(Texto tão legal!)