Kelly Reichardt está no panteão das grandes cineastas do século XXI. Obra a obra ela vem mostrando uma imensa inteligência cinematográfica, um pensamento muito próprio sobre a mise-en-scène, o quadro e como construir histórias já contadas com um viés contemporâneo, como já fez com o faroeste, em First Cow (2019). Em The Mastermind, Reichardt lança um olhar, ou melhor, uma releitura dos tradicionais filmes de assalto.
Se a base dos filmes de assaltos são o planejamento, a ação e a negociação, aqui não existe nenhuma dessas fases. Kelly Reichardt realiza uma obra irônica, onde o ambiente tragicômico dá o tom e o protagonista é um ser desprovido de carisma e entusiasmo. Aliás, tudo em The Mastermind é aparentemente sem graça, ficamos nos perguntando que filme é esse que estamos vendo, de um cara incoerente, que na teoria teria tudo, uma esposa, dois filhos e pais com recursos financeiros (o pai é um juiz), um típico homem de classe média alta de Massachusetts.
O personagem James Blaine Mooney, interpretado por Josh O'Connor, um inveterado cleptomaníaco, um carpinteiro frustrado, que chegou a estudar artes na juventude, cobrado pelo pai para abrir um negócio sólido e que pede dinheiro emprestado à mãe para financiar seus crimes, sob o argumento que seria para realizar um trabalho e que reembolsaria quando recebesse. Uma balela, como aliás é toda a vida dele. A esposa Terri (Alana Haim), quase não tem falas, mas está visivelmente cansada das enrolações dele.
A trama de The Mastermind circula em torno de um assalto que JB Mooney orquestra para um museu de arte, para roubar 4 obras do pintor modernista estadunidense Arthur Dove, em pleno anos 1970, quando os Estados Unidos estão invadindo o Camboja. Kelly Richardt investe propositadamente na retirada de ritmo do filme e quebra as expectativas em fazer um típico filme de assalto. Tem momentos em que tudo parece não se movimentar, que a história circula em torno de si mesma, em um artifício que dialoga muitíssimo com o personagem.
Tudo em The Mastermind parece não ter sentido, e entender James Blaine Mooney torna-se o grande desafio do espectador. Mas é aí que o filme faz mais sentido, nessa obstinada meta de entender o incompreensível. Nenhum argumento plausível é suficiente para que se tenha um perfil desse misterioso ser, que abdica da família e de ter um trabalho para realizar assaltos despropositados e nitidamente destinados ao fracasso. Monta uma gangue nada confiável, não traça planos algum nem do roubo nem da fuga, enfim, investe no fracasso.
The Mastermind é daqueles filmes cuja história deveria ser cômica, embora exatamente não se ria dela. A câmera de Kelly Reichardt foge do espetacular, assim como o roteiro (escrito por ela mesma). Tudo no filme é realizado para frustrar nossas expectativas, desde o roubo atrapalhado no museu até a tentativa de fuga insossa que nos é ofertada. As manchetes do jornal vão dando os andamentos das investigações, até vermos aquela famosa foto de procurado estampado da capa.
A trilha sonora original de Rob Mazurek, toda calcada em um jazz moderno, que lembrou algumas obras do grande Dave Brubeck, com umas pitadas de Miles Davis, embala todo o filme, com sua liberdade rítmica e sua harmonia provocativa, quase que se insinuando como um elemento cômico.
Logo, James Blaine Mooney caminha para o desastre, afinal, essa era a sua sina de homem comum tentando subverter a ordem das coisas e apenas se transformando em um bandidinho qualquer, um reles otário que precisa roubar na mão grande uma bolsa de um velhinha indefesa para poder fugir. Kelly Reichardt não se desvia da tarefa de fazer esse homem se dissolver como uma pedra de gelo numa chuva.
Como Al Capone, ele é pego pela sua incompetência assumida para viver e não pelo crime em si. Reichardt, pune o seu protagonista com o peso da história, ao fazê-lo cair por uma luta social justa e que deliberadamente não era a sua. Azar do destino e uma justiça que age tal como o filme, por caminhos enviesados.

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