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#SALVEROSA (2025) Dir. Susanna Lira


Texto por Marco Fialho

A princípio, tudo em #SalveRosa lembra harmonia e felicidade. Mas bastam algumas cenas a mais para logo desconfiarmos que algo ali não bate. Uma menina vive o sucesso pelas redes sociais, seus vídeos tem muitos views e seus seguidores só aumentam. O novo trabalho de Susanna Lira aborda a difícil relação entre infância e redes sociais no mundo contemporâneo. 

#SalveRosa inicia com Dora (Karine Teles) comunicando a filha, Rosa (Klara Castanho), supostamente de 13 anos, que o programa dela como influencer ganha 2 anos de patrocínio. Ambas estão saindo de uma cidade do interior de São Paulo e indo morar em um condomínio de luxo, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Logo, veremos uma situação para lá de abusiva entre Dora e Rosa, em que mãe subjuga a filha a trabalhar como influencer para ganhar dinheiro, inclusive manipulando o corpo da menina para que o seu crescimento fosse retardado por prescrições arbitrárias de hormônios. 

Para além da história em si, é bom lembrar que estamos diante de um filme ficcional e será isso que analisaremos aqui, pois se o filme levanta questões socialmente importantes e seríssimas, cabe então pensa-lo em um âmbito maior sobre as temáticas que levanta. Será mesmo que o filme está preocupado em discutir a questão ou seu objetivo é apenas ganhar os tais views que tanto quer questionar? 

Fiquei a pensar sobre o aspecto sensacionalista dele, que antes de puxar um diálogo a respeito, lança uma situação extrema que oblitera por completo a discussão. Antes de questionarmos acerca do poder das redes sociais em nossas vidas, ficamos atados a uma relação criminosa que a mãe pratica no corpo da filha, caso esse que não traz para o público reflexões, apenas a condenação de um ato espúrio da mãe com a filha. 

Reparem como esse fato em si, desloca a discussão sobre redes sociais e infância para outro lugar, fugindo da questão das big techs por exemplo, ou até mesmo o da relação abusiva entre pais e filhos, para abordar a prática de um crime, já previsto em lei e que é inquestionável e indefensável. O que Dora faz com Rosa é crime, não é simplesmente um erro para ser discutido e interpelado, daí a  minha maior reserva com #Salve Rosa, ele se fecha para o diálogo ao extremar suas condutas e o aproximar da estética dos filmes de terror. Essa opção de estética mais uma vez desloca o filme para a atuação das atrizes, ao invés de levantar discussões, ficamos a admirar o talento indiscutível de Karine Teles como uma vilã e de Klara Castanho como a vítima quase indefesa, que como atriz jovem, mas já adulta, fez com perfeição uma menina de 13 anos. Podemos ainda admirar o empenho inconteste da direção de arte a realizar um trabalho impecável na concepção de um mundo irreal, fantasioso e artificial, inteiramente concebido para ser posto nas redes sociais. Mas do que adianta todas essas qualidades, quando se equivoca nos princípios mais banais da proposta, de simplificar as discussões ao invés de torná-las mais complexas e amplas?  

Tendo como ponto de partida sua carreira, em que Susanna Lira se firmou como cineasta realizando documentários, muitos deles esclarecedores sobre diversas questões sociais e culturais, isto desde os primórdios com Positivas (2009) até Fernanda Young - Foge-me ao Controle (2024), era previsível que a diretora adentrasse na ficção mantendo essas discussões na mira e sabedora da importância da pesquisa para a realização de um filme, especialmente quando ele aborda temas delicados, como esse #SalveRosa, que envolve um tema ligado à infância. Mas qual seria realmente o tema central de #SalveRosa? O da exploração da mãe sobre a filha ou do uso da infância nas redes sociais ou ainda da necessidade de views na sociedade contemporânea? O filme se perde em meio a essas questões e acaba por não aprofundar nenhuma dessas premissas que estavam postas lá no início dele, preferindo se afirmar em um desenho narrativo de gênero que pouco agregou à proposta de denúncia que a obra encampa. O resultado foi a realização de um filme para lá de expositivo, que pouca discussão levanta a partir dos elementos dramáticos que põe para jogo.  

As escolhas narrativas de Susanna Lira em #SalveRosa são explicitamente novelesca e motivadas pelo exagero. Basta analisar a câmera do filme, o quanto ela se movimenta de forma a dar um dinamismo constante à ação. Se a personagem está desorientada, a câmera segue seu ritmo. É claro o objetivo de realizar para o público a identificação com Rosa e a antipatia por Dora, que passa a tomar atitudes questionáveis, como dar em cima descaradamente do marido da vizinha, como se esse ato em si fosse definidor de seu caráter. 

Tudo em #SalveRosa lembra uma novela das 21 horas. E vocês há de convir, que sair de casa para ver algo que já está posto na televisão é uma baita perda de tempo. Dora vira uma espécie de Odete Roitman, que se presta as mais abomináveis atitudes, inclusive ao festejar sua impunidade em outro país, como um Marco Aurélio a dar bananas para o público ao comemorar sua eterna esperteza. Sem contar, a profusão de cenas apelativas de #SalveRosa, como a que Dora acorda Rosa numa madrugada chuvosa para realizar um vídeo embaixo de um temporal ou a que Rosa retira com um alicate de unha um artefato de metal que está dentro de seu braço, e isso, sem deixar uma cicatriz sequer ou qualquer outro vestígio.  

Em sua opção pelo terror, #SalveRosa dá uma paquerada no body horror, no filme sensação de 2024, Substância, mas ainda assim, prefere fugir dos elementos mais explícitos dessa abordagem, ficando mesmo com o tom soft das novelas das 21 horas. Assim, o filme aposta somente no filão das descobertas. Aposta na descoberta de Rosa que a mãe manipula seu corpo e depois na descoberta das outras pessoas acerca da verdade criminosa da mãe. O filme de Susanna Lira se resume a isso, a criar essas tensões, que são mais torcidas para a mãe ser desmascarada, do que questionamentos que ficam como perguntas para o público. 

Esse é um cinema que não passa do viés do entretenimento, do espetáculo pirotécnico das câmeras e do óbvio ao preferir manipular as angústias do espectador, ao invés de se aprofundar nas questões que o filme apenas margeia e que serviram como motivadores para a própria realização do filme. Os créditos finais, alertando sobre o problema do abuso infantil, vem endossar o cunho apelativo e até moralista que a obra preferiu abraçar, talvez em nome daquilo que a princípio queria tanto negar, os tais views.

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