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O MEU NOME É ALFRED HITCHCOCK (2022) Dir. Mark Cousins


Texto por Marco Fialho

O mais impressionante de O meu nome é Alfred Hitchcock é a maneira criativa como Mark Cousins aporta no universo múltiplo do diretor inglês. Cousins escolhe 6 temas (fuga, desejo, solidão, tempo, realização e altura) para durante duas horas brincar com os filmes do mestre inglês, propondo pensamentos inusitados e originais, sem esquecer do humor cáustico e leve que o consagrou. Por vezes, essa divisão por capítulos leva o resultado final para um certo engessamento e repetições que podiam ser evitáveis.   

Outra surpresa maravilhosa é a impecável narração em off realizada no presente, escrita pelo próprio diretor, e realizada pela voz do ator Alister McGowan, que emula Hitchcock com rara precisão. Cheguei a pensar que era uma voz vinda da IA, o que seria até uma possibilidade viável e criativa para o tipo de documentário que Cousins se propõe a realizar.

Cousins trabalha com um roteiro em que almeja explorar muitos significados supostamente originais da obra hitchcockiana, e faz uso de trechos de filmes do mestre inglês como comprovação de suas teorias elocubratórias. Assim, em nome do documentário, as obras de Hitchcock perdem o sentido em si para virarem meras ilustrações do pensamento do documentarista. Não é deixado para o espectador, em nenhum momento, um espaço que seja para que ele exerça um pensamento próprio sobre o diretor estudado, o que faz de O Meu Nome é Alfred Hitchcock um exercício bem narcisista de Mark Cousins.

A narrativa de O Meu Nome é Alfred Hitchcock peca pelo excesso de falas, de tal forma que às vezes sugere ser um tipo de mantra. Hitchcock, que sempre me pareceu econômico em seus depoimentos, aqui vira quase um bufão falastrão, sem freios e papas na língua, e praticante de um solilóquio interminável, beirando o exaustivo. 

Além das imagens dos filmes do mestre inglês, Mark Cousins também introduz algumas imagens realizadas por ele, mas sinceramente, elas raspam a banalidade e o óbvio. São isqueiros, ralos de rua, corações computadorizados (horríveis, diga-se de passagem), uma menina que olha indiferente para a câmera (outra imagem boba e desnecessária). Essas poucas imagens ficam se repetindo, se reiterando como uma balada nada criativa, podemos até se arriscar de dizer, preguiçosa mesmo.

Lida assim de supetão, essa análise de O Meu Nome é Alfred Hitchcock parece cruel e implacável, mas o documentário de Cousins não é de todo equivocado e desimportante. Há sim um elemento que devemos sublinhar como muito positivo no filme, o seu insight poético e a paixão pela qual analisa a imensa filmografia hitchcockiana. Tem sim seus instantes de brilhantismo, mesmo que eles causem um cansaço no espectador, por Cousins não deixar o seu filme respirar em nenhum momento. Mas que fique claro que O Meu Nome é Alfred Hitchcock é um atropelamento, isto é, trata-se de um bom atropelamento, daqueles que sobrevivemos, apesar do nosso corpo sair dolorido e todo quebrado.        

Se fosse um pouco mais enxuto (aliás como vários filmes de Cousins, é bom lembrar que o excesso pela paixão é uma de suas marcas como diretor, que se apega muito aos temas que explora), poderia até ser uma obra-prima.    

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