Texto por Marco Fialho
Napoli-New York tem como mote explorar traços da imigração italiana em Nova York, no período do pós-guerra, tendo Carmine (Antonio Guerra) e Celestine (Dea Lanzaro), um menino e uma menina, ambos ainda crianças, que adentram como clandestinos em um navio rumo a maior cidade do mundo e à terra que simbolizava a esperança de uma vida melhor. A história é inspirada em uma história original de Federico Fellini e Tulio Pinelli, mas é bom que se diga, que o filme não tem nenhum lastro de influência de sua obra.
A trama inicia com Celestine perdendo toda a família, depois que uma bomba atingiu sua casa, e a menina quer ir para Nova York encontrar a sua irmã mais velha, único membro de sua família que ainda está vivo. Essa aventura é narrada com grande dramaticidade, já que a incumbência das crianças é para lá de ousada. Não é fácil sobreviver em um navio como clandestino, entretanto, já embarcados, tem a sorte de esbarrar na ajuda do comissário de bordo Joseph Garofalo (Pierfrancesco Favino), um homem influente e que tem, ironicamente, como função no navio, não permitir que clandestinos embarquem para os Estados Unidos.
A atuação dessas duas crianças é o que mais impressiona em Napoli-New York. A atriz Dea Lanzaro, como Celestine, é de uma sensibilidade e naturalidade fora do comum. Suas falas saem com muita facilidade e suas posturas corporais e olhares contém rara expressividade. Já Antonio Guerra, como Carmine, se mostra um ator que sabe explorar o corpo como se tivesse uma ampla experiência profissional. Tem uma cena em que está sentado no sofá e expõe seus motivos para não ser adotado pela família de Garofalo que é de um puro requinte interpretativo.
Mas Napoli-New York como um todo não se mostra um filme muito criativo, em especial na sua narrativa totalmente espelhada pelo viés clássico, montada linearmente e sem grandes surpresas. Desde o início, o que sustenta a trama é o drama das crianças desamparadas, que enfrentam a fome, o medo de serem descobertos como ilegais e o preconceito por serem estrangeiros em um cidade que cada um vive por si.
O maior mérito da mise-en-scène do diretor Gabriele Salvatores está no requinte com que trata a fotografia, e mais ainda a direção de arte, mesmo que apele em demasia para efeitos especiais baseados em trucagens defasadas de fundo falso. A câmera em si, não foge do convencional, se arrisca pouco ou não estabelece nada muito especial, sendo utilizada de maneira bastante previsível na maioria das vezes. Raros são os planos mais arriscados, como um em que o reflexo das crianças numa poça d'água é invertido em um movimento acrobático da câmera.
O filme aborda uma Nova York efervescente, feérica e esperançosa (e a trilha afiada demonstra bem isso), apesar de não ser tanto assim para os imigrantes que tentam ali sobreviver. Napoli-New York é uma obra boa de assistir, mesmo que não chegue a entusiasmar. Talvez as cenas das crianças clandestinas no navio sejam as mais interessantes e as que mais destoam positivamente. O enredo me fez lembrar de algumas narrativas de Charles Dickens, onde a superação humana serve de mote para alavancar a história. O que torna o filme mais relevante no atual contexto histórico que vivemos, é saber que os Estados Unidos vivem um momento complicado novamente com os imigrantes, com uma perseguição implacável do autoritário e descabido Governo Trump.
A parte da reconstrução histórica é outro ponto alto de Napoli-New York e a cena em que a carismática Celestine entra no cinema para ver Paisá (1946), talvez seja a mais imprevisível, bela e comovente de todo o filme. Como é interessante ver o filme citar a obra contemporânea de Roberto Rossellini sobre Napoli nos primeiros momentos depois do fim da 2ª Guerra Mundial. Hoje, Paisá é considerado um dos maiores clássico do Neorrealismo italiano, filmado boa parte com a participação da população da cidade de Napoli em plena reconstrução. Como é tocante ver Celestine se emocionando e não se contendo ao reconhecer pelo nome vários dos habitantes de Napoli que estão no filme.
Há ainda mais um destaque, que é a sequência do julgamento de Agnese (Anna Lucia Pierro), irmã de Celestine, que se encontra presa por assassinar um homem que a enganou romanticamente. Nela, vemos o depoimento de Celestine, em mais um show de Dea Lanzaro, mostrando uma confiança e uma convicção imensas como atriz. O olhar dela é de arrepiar e transmite uma energia assertiva. Como é bonito quando ela diz com firmeza no julgamento, um belo provérbio napolitano: "se você não é estrangeiro, você é pobre. Se é rico, não é estrangeiro em lugar nenhum". Para mim, o filme termina nesse exato momento ao selar a visão dura sobre os processos migratórios, não importando mais o que ainda possa vir pela frente no filme.

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