Texto por Carmela Fialho e Marco Fialho
Futuro Futuro, dirigido por Davi Pretto (Rifle), mergulha no universo humano do esquecimento, após sucessivas tragédias sofridas pela humanidade. K (Zé Maria Pescador) acorda em uma escola desconhecida, com pessoas desconhecidas e assustado com o fato de ter perdido totalmente a memória. A síndrome do esquecimento atinge a maioria dos alunos e a professora tenta ajudá-los com slides de imagens cotidianas sucessivas e um oráculo de Inteligência Artificial que através do olho e um raio infravermelho reativa memórias no cérebro.
Em um futuro distópico, a sociedade encontra-se segregada entre ricos morando em condomínios de luxo e pobres nas favelas. A sensação de abandono perpassa todo o filme e a eminência do fim do mundo atormenta a elite. Futuro Futuro discute a consciência frágil da elite em contraste com a alienação dos mais pobres. Assim como o polvo do filme, K é um deslocado. O polvo está preso em um aquário, já K, se vê como pertencente ao mundo dos ricos, mas mora numa favela.
A fotografia adota o tom avermelhado para as memórias de K. Ele lembra constantemente do lado rico da cidade e julga pertencer ao outro lado, quando entra em contato com o mundo que lembrava, toma conhecimento de outra realidade. O diretor se utiliza da pouca recuperação de memória de K para colocar a questão da alienação, que projeta o desejo de riqueza nas classes trabalhadoras. Futuro Futuro faz uma citação kafkaniana desde o nome do personagem quanto à atmosfera desorientadora que Davi Pretto constrói para K.
O som hipnótico e difuso, junto com as imagens distorcidas das catástrofes pelas quais o planeta e a humanidade estão vivenciando, causam no espectador angústia e uma sensação de vazio, verbalizado por K em sua conversa com Antonieta (Clara Choveaux) no condomínio de luxo. Ela não lembra de seus sonhos e acredita que aquele dia seria o fim do mundo. Davi Pretto faz o vazio do mundo atravessar a própria narrativa de Futuro Futuro.
Futuro Futuro se apega ao cinema fantástico em que Davi Pretto investe numa trama aberta com muitos pontos indefinidos, para que o espectador possa pensar e relacionar as conexões filosóficas possíveis. Pretto vem sedimentando sua carreira com um cinema que exige muito da participação de quem assiste a sua obra e aqui não é diferente. O fantástico, o distópico e o político se entrecruzam como se em Futuro Futuro a atmosfera fosse mais relevante do que a própria trama em si.
De certa maneira, a ficção pensada por Pretto encontrou a realidade. O clima apocalíptico de Futuro Futuro nos remetem às catástrofes pelas quais passou o Rio Grande do Sul com as enchentes de 2024. A metáfora da devastação completa o clima de desamparo e desesperança presente em Futuro Futuro, acirrada pelo tom melancólico e plácido no qual o fim se desenha por Pretto. Tudo fica mais sombrio, quando pensamos nos créditos iniciais, em que temos a informação de que as tragédias das inundações de 2024 interromperam as filmagens, o que deixa o filme com um tom premonitório.

Que interessante, transmite o texto de vocês!
ResponderExcluirCom relação ao esquecimento geral,pelos alunos, pensei num alerta ao evento da IA, como conversas sem vínculos e dispensável elaboração (mas eu gosto muito rs).
Se esse pensamento for aplicável, vejo-o como uma crítica válida também rs