Texto por Marco Fialho
Delírio é o que queria ser, um filme de suspense com toques sutis de horror, daqueles que sugestionam mais do que afirmam e que se alimenta por um mistério que o ronda a todo o instante. Em umas cenas nos é dito algo, mas logo adiante o mesmo fato pode ser desmentido ou posto em suspenso. Pouco se chega no Brasil filmes da Costa Rica, e quando isso acontece, ficamos nos perguntando porque não temos outras oportunidades de conhecer essas cinematografias, que muito dialogam também conosco, com nossa realidade.
O filme parte da chegada de Elisa (Liliana Biamonte Hidalgo), e sua filha Masha (Helena Calderón Fonseca), na casa de sua mãe, D. Dinia (Anabelle Ulloa Garay), que sofre de demência e precisa de cuidados, tendo apenas a ajuda de Azucena (Grettel Méndez Ramírez), a empregada, que ainda olha pela limpeza da casa. Mas esse é um filme onde a casa não deixa de ser protagonista, com suas fotografias de um passado cada vez mais distante. A câmera da diretora Alexandra Latishev Salazar não nos deixa ver muito o ambiente fora da casa, sempre o seu posicionamento é dado na direção da casa, nunca conseguimos captar o que está no entorno dela. Logo no início tem uma cena em que Elisa está em um local com mutas árvores perto da casa, o que indica ser um lugar mais para o rural, mas não temos como identificá-lo com clareza, pois a cena é noturna. Quando alguém da vizinhança chega, mal vemos seus rostos, eles estão quase sempre à distância e em ângulos que não se permite avistar o contexto da casa.
Um sentimento muito forte em Delírio é o do enclausuramento, essa casa tem algo de sufocante, inclusive com as diversas cenas com as personagens debaixo dos mosquiteiros. O cinema de Alexandra Latishev Salazar me remeteu ao cinema do realizador tailandês Apichatpong Weerasethakul, com uso de fantasmas vivos, dialogando em carne e osso com personagens. Masha, uma menina de 11 anos, fala com o pai, um russo que morreu tragicamente em um acidente aéreo. D. Dinia mal reconhece a filha e vive a perguntar quem é ela.
O tema da morte circula livremente pela trama, por meio de fotos, aparições e citações como a de D. Dinia de que Elisa, e seu irmão Carlito, a abandonaram para que ela morresse só. O local parece afastado, no interior, sendo que os filhos partiram para estudar numa cidade mais urbana. Elisa é médica e Carlitos há tempos não dá as caras. É curioso o quanto Delírio apresenta majoritariamente personagens femininas. Os homens são circunstanciais, ausentes, ameaçadores (como o jardineiro, irmão de Azucena, que se apresenta a Elisa no começo do filme) ou fantasmas. Elisa é uma mulher movida pela tensão, sempre está nervosa, demonstrando insegurança com a localização da casa, o que a leva a fechar obstinadamente a porta de entrada.
Antes de tudo, Delírio é um filme que aposta no terror pela atmosfera. Não há nenhum acontecimento no presente que seja realmente assustador. Os fantasmas do passado de cada uma das personagens é que instaura o terror. O filme raramente aposta na música como um elemento do terror, como faz a maioria dos filmes do gênero. Delírio prefere o silêncio atordoante, premonitório, que anuncia algo, que na verdade nunca vem. Cada personagem tem seu delírio, imagina coisas e perigos de acordo com as ranhuras ditadas pelas suas vidas pregressas. Cada qual tem uma crise para administrar e o filme versa sobre isso. Para Masha, o pai não morreu, para a avó os filhos ainda são crianças, e para Elisa o medo de ser abusada tal como o pai a fez.
Delírio é um filme sobre os fantasmas que carregamos, sobre a nossa capacidade de superá-los, ou não. Masha gosta das histórias de Drácula e fantasmas, ela não sabe ainda como lidar com a ausência física irreversível do pai. As cortinas, os véus das camas e os espelhos dizem muito sobre o filme, da névoa que paira ao redor dele. Muitas das cenas são filmadas por trás das portas, como se a direção quisesse nos dizer o quanto essas personagens não se sentem íntimas desse lugar. O melhor de Delírio é anunciar um terror que jamais chega, mas que está impregnado no inconsciente de cada personagem.

Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!