Pular para o conteúdo principal

AMADA (2025) Dir. Elisa Amoruso


Texto por Marco Fialho

Um dos pontos fortes de Amada, filme dirigido por Elisa Amoruso, é a sua montagem muito bem articulada com o desenvolvimento de duas histórias em paralelo que jamais se cruzam, apesar de estarem completamente conectadas por um único fato, que aos poucos o filme vai revelando. 

De um lado temos Nunzia (Tecla Insolia), uma jovem universitária que vive uma gravidez indesejada. De outro, temos Maddalena (Miriam Leone), uma mulher com mais de 40 anos de idade, que vem tendo reincidentes abortos involuntários. A diretora Elisa Amoruso une essas duas mulheres com todo o cuidado e sensibilidade possíveis, em um trabalho delicado, onde vamos conhecendo os contextos de vida de cada uma dessas mulheres. 

Muitas vezes, o uso da montagem paralela define as angústias e dramas de Nunzia e Maddalena, numa confrontação de vida que determinarão seus futuros. Amada aborda um tema eivado pela fragilidade, o da maternidade desejada e a não desejada e Elisa Amoruso busca com sua história um desfecho quase educativo, baseado em uma lei italiana que permite mães abandonarem a maternidade em prol de casais que a desejam e são impossibilitados por suas naturezas orgânicas. Essa intenção política da diretora soa estranha e enfraquece sua abordagem, já que há uma necessidade de conclusão da história, restando poucas perguntas para o espectador e um direcionamento com um propósito político explícito.   

A diretora Elisa Amoruso abusa de planos próximos com a intenção de penetrar na intimidade dessas personagens e alcançar o sofrimento que cada uma experimenta com suas gravidezes. A tristeza de Maddalena é bastante notória, salta da tela uma melancolia cortante quando ela está em cena. Sua vontade de ser mãe é bem substantiva e atrapalha a sua relação matrimonial.      

Como a diretora Elisa Amoruso tem uma definição bem clara em termos de ideias a serem construídas para Amada, as cenas são pensadas de modo a contemplar uma emulação da vida cotidiana de um casal por um lado, e de uma mulher solteira por outro lado. Mas a verdade é que as cenas se mostram homogêneas e tudo vai caminhando de maneira previsível, em especial, depois que entendemos o que está em jogo para essas duas mulheres. 

Falta à Amada algo que o tire do que é esperado e o jogue para algum precipício dramático. Os dramas alinhavados desde o início evoluem tais como qualquer gravidez e assim apenas esperamos o parto e a concretização do óbvio, e acreditem, os fatos vêm exatamente como esperávamos que viessem. Se a montagem retira o filme da linearidade clássica em relação a unidade de tempo e espaço, a história em si de cada uma das mulheres não apresenta muitas alterações internas, o que resulta no comprometimento do final de Amada. É um cinema honesto, mas de médio porte, carente de ousadia no roteiro e direção, como se fora apenas um bom projeto de encomenda.    

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

MOSTRA CINEBH 2023

CineBH vem aí mostrando novos diretores da América Latina Texto de Marco Fialho É a primeira vez que o CineFialho irá cobrir no modo presencial a Mostra CineBH, evento organizado pela Universo Produção. Também, por coincidência é a primeira vez que a mostra terá inserido um formato competitivo. Nessa matéria falaremos um pouco da programação da mostra, de como a curadoria coordenada pelo experiente Cleber Eduardo, montou a grade final extensa com 93 filmes a serem exibidos em 8 espaços de Belo Horizonte, em apenas 6 dias (26 de setembro a 1º de outubro). O que atraiu o CineFialho a encarar essa cobertura foi o ineditismo da grande maioria dos filmes e a oportunidade mais do rara, única mesmo, de conhecer uma produção independente realizada em países da América Latina como Chile, Colômbia, México, Peru, Paraguai, Cuba e Argentina, sem esquecer lógico do Brasil.  Lemos com atenção toda a programação ofertada e vamos para BH cientes da responsabilidade de que vamos assistir a obras di...