Texto por Marco Fialho
O interesse do cinema por tramas que estudam o comportamento das famílias contemporâneas anda em voga. Recentemente assistimos A Luz, drama alemão dirigido por Tom Tykwer que trata de uma família disfuncional. Agora, vem da Coreia do Sul, Uma Família Normal, com direção de Hur Jin-Ho, um drama igualmente forte e até impactante pela forma naturalizada que a violência surge em determinadas cenas.
Uma Família Normal parte de duas famílias cuja aproximação é ditada pelos irmãos Jae-Wan (Sol Kyung-Gu), um advogado inescrupuloso e Jae-Gyu (Jang Dong-Gun), um pediatra que se aplica em seu trabalho de salvar vidas. O primeiro irmão tem uma filha e o segundo um filho, ambos adolescentes. O irmão advogado casou pela segunda vez com uma mulher mais jovem (Claudia Kim). E o pediatra é casado com Yeon (Kim Hee-Ae). A história é baseada no livro O Jantar, do escritor holandês Herman Koch, que já ganhou algumas adaptações para o cinema nos Estados Unidos, Itália e Holanda.
A trama do filme lida com questões morais que na teoria são rigorosas, mas na prática quase sempre são corrompidas pelo poder financeiro da sociedade de consumo contemporânea. Jantares caros e abastados demonstram o quanto esses irmãos vivem uma vida confortável e distante do restante da sociedade. Seus filhos vivem nessa redoma protetora, muito embora o filho de Jae-Gyu passe por pesados bullyings na escola, onde é constantemente humilhado e agredido fisicamente pelos colegas. Uma Família Normal se pretende crítico à uma sociedade onde os vínculos familiares se tornaram frágeis perante uma vida de aparências ditada pelas redes sociais e pelo trabalho excessivo dos pais.
O ponto de partida do filme é uma cena de violência de trânsito, que acaba de maneira trágica. Não que esse tipo de agressão não aconteça, mas há uma notória intenção que esses momentos sejam rápidos e graves, com mortes brutais. Uma Família Normal se sustenta muito por uma necessidade de extremar situações para ser convincente e essa super exposição da trama soa forçada e ela se repete com frequência na história do filme. Quando os filhos do protagonistas agridem violentamente um morador em situação de rua, uma crise moral se abate, como uma força destruidora para as bases dessas famílias.
Curioso como a secura dessa narrativa familiar, se mistura com uma violência desmedida e quase sempre gratuita. Mas o que mais chama a atenção é o quanto a direção de Hur Jin-Ho se perde em meio a contradições dos seus personagens. O advogado inescrupuloso se transforma, inesperadamente, em um paladino da justiça, enquanto o médico, um homem justo se torna imoral e injusto, além de extremamente violento. Essa reviravolta na trama causa uma desconfiança do espectador sobre a natureza de cada personagem, devido uma mudança bem extremada nos princípios morais de cada um dos irmãos.
Hur Jin-Ho imprime uma narrativa bastante vigorosa à história de Uma Família Normal, mas naufraga em um roteiro nada crível, de reviravoltas que nada acrescentam ao aprofundamento da temática contemporânea proposta inicialmente, na medida em que parte para resoluções extremadas, como a de um assassinato sem nenhum sentido, que oblitera uma discussão mais ampla sobre o que foi feito das famílias na contemporaneidade.
Como compreender a atitude fria dos filhos que tiram a vida de uma pessoa e não se arrependem em nenhum instante, por se considerarem superior às outras pessoas devido suas posições sociais sustentadas pela grana. Qual a origem da violência existente na sociedade coreana atual? O que facilitou a existência dessas pessoas tão indiferentes ao humano? Essas são as perguntas que ficam no ar, pois saímos do filme sem sermos levados a refletir sobre o horror que gera tamanha intolerância entre as pessoas.
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