Texto por Marco Fialho
O relançamento de Saneamento Básico, o Filme não poderia vir numa melhor hora. Chega no ano em que que seus dois protagonistas, Fernanda Torres e Wagner Moura ganharam relevantes prêmios internacionais: Fernandinha o Globo de Ouro de melhor atriz, e Wagner Moura, a Palma de Melhor Ator em Cannes, essa recentíssima. Havia assistido ao filme lá na sua estreia em 2008 e rever agora só reafirmou a impressão de antes, de que o filme é a obra máxima do diretor e roteirista Jorge Furtado (Ilha das Flores, O Homem Que Copiava).
A maior mágica de Saneamento Básico, o Filme é a capacidade de mesclar numa trama francamente cômica, uma discussão central para os países tomados pela miséria, que é o eterno antagonismo entre a necessidade da cultura quando não se tem os serviços básicos de saúde. Como um país em déficit no saneamento básico pode investir alguma verba nas artes? Essa pergunta se torna um guia para o filme e o acompanha da primeira à última cena.
Saneamento Básico, o Filme foi filmado em Monte Belo do Sul, uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, recriada no filme como uma cidade fictícia, que ainda sofre com um esgoto à céu aberto. Alguns moradores se mobilizam para reivindicar junto à prefeitura que o problema seja resolvido e eis que a funcionária pública os informa que há uma verba para se fazer um filme de ficção, mas não há para o tão necessário saneamento básico. A saída então é realizar o filme com recursos próprios para poder utilizar a grana do filme para o saneamento. E essa verba só foi orçada porque o filho de um político influente queria realizar um filme, mas desistiu, deixando os recursos lá para serem usados ou devolvidos para o governo federal.
Vale mencionar que a riqueza e a perspicácia do roteiro de Jorge Furtado encontra eco nas atuações hilárias do elenco estelar, que além de Fernandinha (Marina) e Wagner Moura (Joaquim), ainda é acrescido por Camila Pitanga (Silene Seagal), Bruno Garcia (Fabrício), Lázaro Ramos (Zico), Tonico Pereira (Antônio) e o genial Paulo José (Otaviano). A ideia de inserir um filme dentro do filme é fantástica, pois essa concepção metalinguística ao invés de soar como rebuscada (como na maioria das vezes o é), confere à obra um tom popularesco, já que o filme em questão é de baixo orçamento e nenhum personagem da pequena cidade tem sequer a noção de como realizar um filme.
Saneamento Básico, o Filme não deixa de ser uma fábula sobre a miséria brasileira, uma peça irônica que interroga pela viés cômico as desigualdades advindas de nossas absurdas contradições sociais. Jorge Furtado dirige o filme com uma desenvoltura impressionante ao permitir que a câmera flutue em meio aos personagens e essa leveza é fundamental na narrativa envolvente e nos diálogos que misturam o texto de Jorge Furtado com os cacos trazidos por cada um dos talentosos atores do elenco.
O filme produzido por eles dentro do filme foi chamado sarcasticamente de O Monstro da Fossa, que assim como o próprio filme de Jorge Furtado também discute o problema do saneamento básico. Assim, tanto o filme quanto o filme dentro do filme, ambos estão lá como um instrumento de crítica à situação aviltante do país e ainda mostra a capacidade do nosso povo de rir da própria miséria e de se reinventar. A presença de Lázaro Ramos como Zico é crucial para o desenvolvimento da trama e a sua chegada na história é responsável por uma guinada no roteiro, já que Zico mora em Bento Gonçalves e trabalha profissionalmente com edição de vídeo. Zico muda o viés da história ao manipular e ressignificar o material já filmado, o que influenciará na conclusão das filmagens ao dirigir a cena final, um plano-sequência engraçado, mirabolante e bizarro.
Algumas discussões propostas no filme são hilárias, como as que os personagens da cidade tentam descobrir o que seria um filme de ficção. Se era a mesma coisa que um filme de ficção científica ou se significava ter que incluir um monstro para poder ser nomeado como ficção. A inexperiência dos personagens para atuar é um dos pontos altos do filme e como é divertido ver esses grandes atores emulando um trabalho amador de um grupo despreparado para exercer a arte do cinema ou mesmo de representar profissionalmente para uma câmera.
Mas a grande discussão de Saneamento Básico, o Filme é a da importância de encarar a arte como algo igualmente básico para a sociedade. Se é verdade o ditado popular de que saco vazio não para em pé, por outro lado, uma pessoa sem contato com arte se brutaliza e não consegue pensar criticamente o mundo a sua volta. Infelizmente, passados quase 20 anos de seu lançamento, o filme, ao que tudo indica, continua atual e a nossa sociedade ainda se mostra bastante reativa em relação às manifestações artísticas.
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