Texto por Marco Fialho e Carmela Fialho
Ópera - Canção Para Um Eclipse tem como proposta reinventar o célebre mito de Orfeu e Eurídice dentro de uma ideia operística. O filme se sustenta muito por uma ostentação cenográfica irrealista. Há ainda um componente dramático não só ditado pelo formato operístico, mas também pelas interpretações carregadas dos atores em cena.
A direção da dupla Davide Livermore e Gep Cucco é baseada no excesso, dentro de uma ideia contemporânea de fazer releituras de mitos clássicos. O amor de Orfeu (Valentino Buzza) e Eurídice (Mariam Battistelli) é explorado em um formato dramatúrgico onde clássicos da ópera italiana se encontram com uma cenografia criativa e às vezes até surrealista, em um mundo dominado pela água como um elemento simbólico de renascimento e sufocamento. O amor como beleza, infinitude e como sonho.
Durante todo o filme, somos tomados por um imenso eclipse cenográfico, que extravasa o fundo e se instala na alma dos personagens. Mais uma vez, a ideia de exagero toma conta do filme. O inferno se transforma em um hotel de luxo, bem típico das primeiras décadas do século XX, o que sugere algo de decadente à trama.
Além das óperas de Rossini, Verdi, Vivaldi, Bellini e Mario Conte, os diretores acrescentam o cancioneiro brega romântico, o que aumenta a sensação de artificialidade que impregna toda a narrativa de Ópera - Canção Para Um Eclipse. Para quem gosta de excessos visuais, sonoros e narrativos, o filme é um prato cheio. Quem prefere as narrativas ditadas pela contenção e economia de recursos, vai se sentir nauseado pela opulência que transborda de cada imagem.
Embora o filme possa agradar aos fãs de ópera, afinal vários clássicos do gênero são executados, nada é mais proeminente aqui do que a concepção imagética do filme. Algumas realmente primam pela sofisticação surrealista, como a que móveis estão a flutuar na água e a instabilidade do quadro se torna linguagem e expressão. Há ainda a sequência em que Orfeu joga xadrez com Mephistopheles (Erwin Schrott), o diabo, numa alusão ao clássico O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman.
O elenco de Ópera - Canção Para Um Eclipse está muito afiado, com destaque para um Vincent Cassel à vontade como um taxista irreverente e para Caterina Murino como a concierge do hotel maligno. Mas as participações especiais são as de Rossy De Palma como Moire e da veterana e maravilhosa Fanny Ardant, como Proserpina. Os diretores surpreenderam ao colocar a ótima e expressiva Mariam Battistelli, uma atriz negra, como Eurídice.
Cinema é sonho (e muitas vezes pesadelo) e o filme perde muito do seu impacto quando ele revela a faceta realista da trama e dos personagens. A violência da urbanidade contemporânea invade o sonho do cinema e mostra as ambiguidades de um mundo onde o mito etéreo despenca junto com a catástrofe e o imponderável do cotidiano das grandes metrópoles. A contemporaneidade encerra a ilusão do mito, embora o amor de Orfeu represente a esperança da infinitude dos grandes amores, esses sim, eternos ontem, hoje e sempre.
Comentários
Postar um comentário
Deixe seu comentário. Quero saber o que você achou do meu texto. Obrigado!