Texto por Marco Fialho
Algumas coisas no mundo do cinema parecem não mudar. Uma delas são os filmes do norte-americano Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste e o recente Asteroid City). A rigor, sequer precisaria por o seu nome nos créditos, pois desde as primeiras imagens já somos capazes de identificar seus traços mais marcantes: a câmera que se move lateralmente, a encenação rígida, detalhista e cuidadosa na direção de arte e uma concepção orquestral dos elementos cinematográficos, com interpretações minimalistas e sóbrias, apesar do elenco ser composto por uma série de atores e atrizes famosos mundialmente.
O Esquema Fenício não foge à regra do cinema esquemático, antes irônico do que propriamente cômico de Anderson. O mais intrigante de sua mise-en-scène está justamente numa suposta comicidade que depende não da capacidade dos atores e atrizes de nos fazer rir, mas de um humor vindo da própria encenação, um tipo de humor que se esforça intencionalmente em ser cinematográfico. Wes Anderson, por essa característica tão marcante de fazer cinema, sempre aponta suas obras para um campo mais polarizado, ou se ama de paixão seus filmes ou se odeia com todas as forças. Por isso, é importante fugir dessa seara e tentar compreender o processo de construção do diretor, para se poder ampliar a análise, ao invés de simplesmente fechá-la numa conclusão apaixonada a favor ou contra o diretor.
A história gira em torno de Zsa-Zsa Korda (Benício Del Toro), um bilionário que sempre escapa mirabolantemente de tentativas de assassinatos e que resolve proteger sua fortuna apelando para Liels (Mia Threapleton) a bela filha noviça e Bjorn (Michael Cera), um tutor esquisitóide, especialista em insetos e que se apaixona à primeira vista por Liels. Anderson divide seu filme em caixas que o pai apresenta à filha e que representam os seus planos de ação para manter a fortuna. O público não sabe a princípio, mas logo pode perceber que a apresentação das caixas nada mais é do que a divisão em capítulos que o diretor está apresentando também ao público. Excentricidades típicas de Wes Anderson, desse humor cáustico e seco que tanto faz sentido na sua filmografia.
Enquanto aviões caem e logo outros aparecem para dar continuidade à aventura rocambolesca de O Esquema Fenício, os vários personagens vão aparecendo e desaparecendo de cena, cada qual trazendo sua contribuição inusitada e surpreendente, como a dupla Tom Hanks e Billy Craston que realizam uma aposta com o bilionário arremessando bolas de basquete numa cesta, aposta na qual Korda não teria vantagem nenhuma por não saber sequer o básico do esporte. Mas esse esquete irônico representa e sintetiza bem o estilo que consagrou o diretor de ver o cinema como um jogo cênico da vida.
Pode-se dizer que a seu modo, Wes Anderson mostra a solidão da riqueza; o arrivismo desenfreado e o quanto ele é inócuo e improdutivo; o despeito dos mais ricos aos demais; e a dificuldade de relação interpessoal. Mas tudo isso é travado pela preocupação exacerbada que o diretor tem com a encenação, que engessa como de hábito o resultado final da produção. Há ainda uma fetichização de atores como Scarlett Johansson, Mathieu Amalric, Benedict Cumberbatch, Riz Ahmed e tantos outros que funcionam como um detalhe cômico que surge como um subterfúgio em meio ao vazio de uma narrativa povoada de personagens meramente ilustrativos, que parecem robôs cenográficos. A maior tensão, que seria o conflito entre pai inescrupuloso e filha espiritualizada, vai aos poucos ficando à margem da trama e se perdendo, já que o esquematismo visual de Anderson se impõe a todo instante a tudo e todos.
Mesmo que a encenação de Wes Anderson guarde algo genuíno e de grande apuro visual, afinal ele ama construir cenários e preenchê-lo com um design caprichado e com objetos de cena que sintetizam personagens mais do que palavras, o que sobra de sua produção esmerada é sempre uma impressão de algo bonito, funcional, mas sem muita substância. O cinema de Wes Anderson não deixa de ser bom de ser visto, apreciado e vivenciado, embora não seja muita coisa quando se propõe a refletir com mais profundidade sobre ele.
O Esquema Fenício é mais uma obra que o diretor expõe o tema, aqui o de um bilionário que trata a vida e o mundo como um joguete em que decide o destino de pessoas quanto à fome, à guerra e o escambau em nome de se ganhar mais e mais dinheiro. Há talvez um cinismo nessa proposta, como se a nós restasse apenas rir amargamente desse processo canibalizado em que o capitalismo lançou a humanidade. Um cinema que mostra muito, mas pensa pouco.
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