Pular para o conteúdo principal

O ESQUEMA FENÍCIO (2025) Dir. Wes Anderson


Texto por Marco Fialho

Algumas coisas no mundo do cinema parecem não mudar. Uma delas são os filmes do norte-americano Wes Anderson (O Grande Hotel Budapeste e o recente Asteroid City). A rigor, sequer precisaria por o seu nome nos créditos, pois desde as primeiras imagens já somos capazes de identificar seus traços mais marcantes: a câmera que se move lateralmente, a encenação rígida, detalhista e cuidadosa na direção de arte e uma concepção orquestral dos elementos cinematográficos, com interpretações minimalistas e sóbrias, apesar do elenco ser composto por uma série de atores e atrizes famosos mundialmente. 

O Esquema Fenício não foge à regra do cinema esquemático, antes irônico do que propriamente cômico de Anderson. O mais intrigante de sua mise-en-scène está justamente numa suposta comicidade que depende não da capacidade dos atores e atrizes de nos fazer rir, mas de um humor vindo da própria encenação, um tipo de humor que se esforça intencionalmente em ser cinematográfico. Wes Anderson, por essa característica tão marcante de fazer cinema, sempre aponta suas obras para um campo mais polarizado, ou se ama de paixão seus filmes ou se odeia com todas as forças. Por isso, é importante fugir dessa seara e tentar compreender o processo de construção do diretor, para se poder ampliar a análise, ao invés de simplesmente fechá-la numa conclusão apaixonada a favor ou contra o diretor.   

A história gira em torno de Zsa-Zsa Korda (Benício Del Toro), um bilionário que sempre escapa mirabolantemente de tentativas de assassinatos e que resolve proteger sua fortuna apelando para Liels (Mia Threapleton) a bela filha noviça e Bjorn (Michael Cera), um tutor esquisitóide, especialista em insetos e que se apaixona à primeira vista por Liels. Anderson divide seu filme em caixas que o pai apresenta à filha e que representam os seus planos de ação para manter a fortuna. O público não sabe a princípio, mas logo pode perceber que a apresentação das caixas nada mais é do que a divisão em capítulos que o diretor está apresentando também ao público. Excentricidades típicas de Wes Anderson, desse humor cáustico e seco que tanto faz sentido na sua filmografia.

Enquanto aviões caem e logo outros aparecem para dar continuidade à aventura rocambolesca de O Esquema Fenício, os vários personagens vão aparecendo e desaparecendo de cena, cada qual trazendo sua contribuição inusitada e surpreendente, como a dupla Tom Hanks e Billy Craston que realizam uma aposta com o bilionário arremessando bolas de basquete numa cesta, aposta na qual Korda não teria vantagem nenhuma por não saber sequer o básico do esporte. Mas esse esquete irônico representa e sintetiza bem o estilo que consagrou o diretor de ver o cinema como um jogo cênico da vida.

Pode-se dizer que a seu modo, Wes Anderson mostra a solidão da riqueza; o arrivismo desenfreado e o quanto ele é inócuo e improdutivo; o despeito dos mais ricos aos demais; e a dificuldade de relação interpessoal. Mas tudo isso é travado pela preocupação exacerbada que o diretor tem com a encenação, que engessa como de hábito o resultado final da produção. Há ainda uma fetichização de atores como Scarlett Johansson, Mathieu Amalric, Benedict Cumberbatch, Riz Ahmed e tantos outros que funcionam como um detalhe cômico que surge como um subterfúgio em meio ao vazio de uma narrativa povoada de personagens meramente ilustrativos, que parecem robôs cenográficos. A maior tensão, que seria o conflito entre pai inescrupuloso e filha espiritualizada, vai aos poucos ficando à margem da trama e se perdendo, já que o esquematismo visual de Anderson se impõe a todo instante a tudo e todos.      

Mesmo que a encenação de Wes Anderson guarde algo genuíno e de grande apuro visual, afinal ele ama construir cenários e preenchê-lo com um design caprichado e com objetos de cena que sintetizam personagens mais do que palavras, o que sobra de sua produção esmerada é sempre uma impressão de algo bonito, funcional, mas sem muita substância. O cinema de Wes Anderson não deixa de ser bom de ser visto, apreciado e vivenciado, embora não seja muita coisa quando se propõe a refletir com mais profundidade sobre ele. 

O Esquema Fenício é mais uma obra que o diretor expõe o tema, aqui o de um bilionário que trata a vida e o mundo como um joguete em que decide o destino de pessoas quanto à fome, à guerra e o escambau em nome de se ganhar mais e mais dinheiro. Há talvez um cinismo nessa proposta, como se a nós restasse apenas rir amargamente desse processo canibalizado em que o capitalismo lançou a humanidade. Um cinema que mostra muito, mas pensa pouco.           

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

CINEFIALHO - 2024 EM 100 FILMES

           C I N E F I A L H O - 2 0 2 4 E M  1 0 0 F I L M E S   Pela primeira vez faço uma lista tão extensa, com 100 filmes. Mas não são 100 filmes aleatórios, o que os une são as salas de cinema. Creio que 2024 tenha sido, dos últimos anos, o mais transformador, por marcar o início de uma reconexão do público (seja lá o que se entende por isso) com o espaço físico do cinema, com o rito (por mais que o celular e as conversas de sala de estar ainda poluam essa retomada) de assistir um filme na tela grande. Apenas um filme da lista (eu amo exceções) não foi exibido no circuito brasileiro de salas de cinema, o de Clint Eastwood ( Jurado Nº 2 ). Até como uma forma de protesto e respeito, me reservei ao direito de pô-lo aqui. Como um diretor com a importância dele, não teve seu filme exibido na tela grande, indo direto para o streaming? Ainda mais que até os streamings hoje já veem a possibilidade positiva de lançar o filme antes no cinema, inclusiv...

AINDA ESTOU AQUI (2024) Dir. Walter Salles

Texto por Marco Fialho Tem filmes que antes de tudo se estabelecem como vetores simbólicos e mais do que falar de uma época, talvez suas forças advenham de um forte diálogo com o tempo presente. Para mim, é o caso de Ainda Estou Aqui , de Walter Salles, representante do Brasil na corrida do Oscar 2025. Há no Brasil de hoje uma energia estranha, vinda de setores que entoam uma espécie de canto do cisne da época mais terrível do Brasil contemporâneo: a do regime ditatorial civil e militar (1964-85). Esse é o diálogo que Walter estabelece ao trazer para o cinema uma sensível história baseada no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Logo na primeira cena Walter Salles mostra ao que veio. A personagem Eunice (Fernanda Torres) está no mar, bem longe da costa, nadando e relaxando, como aparece também em outras cenas do filme. Mas como um prenúncio, sua paz é perturbada pelo som desconfortável de um helicóptero do exército, que rasga o céu do Leblon em um vôo rasante e ameaçador pela praia. ...

BANDIDA: A NÚMERO UM

Texto de Marco Fialho Logo que inicia o filme Bandida: A Número Um , a primeira impressão que tive foi a de que vinha mais um "favela movie " para conta do cinema brasileiro. Mas depois de transcorrido mais de uma hora de filme, a sensação continuou a mesma. Sim, Bandida: A Número Um é desnecessariamente mais uma obra defasada realizada na terceira década do Século XXI, um filme com cara de vinte anos atrás, e não precisava, pois a história em si poderia ter buscado caminhos narrativos mais criativos e originais, afinal, não é todo dia que temos à disposição um roteiro calcado na história de uma mulher poderosa no mundo do crime.     O diretor João Wainer realiza seu filme a partir do livro A Número Um, de Raquel de Oliveira, em que a autora narra a sua própria história como a primeira dama do tráfico no Morro do Vidigal. A ex-BBB Maria Bomani interpreta muito bem essa mulher forte que conseguiu se impor com inteligência e força perante uma conjuntura do crime inteir...